Nostalgia é um ciclo. Toda geração lembra carinhosamente de um período e o entretenimento reflete isso muito bem. O resgate de elementos característicos de uma década é considerado inovador no início, aí vem o boom de produtos que celebram o passado e então, após o auge e começando a saturação, chegam as paródias e desconstruções para se despedir da tendência antes da chegada da próxima. Os últimos anos viram um grande carinho pelo anos 1980, representados por Stranger Things, remakes de clássicos no cinema e muito mais - mas Deadly Class simboliza o fim dessa era.
Adaptando a HQ de Rick Remender, Wes Craig e Lee Loughridge da Image Comics, a trama é ambientada na cidade de São Francisco, EUA, em 1987. Ao invés das luzes-neon, roupas vibrantes e sintetizadores pop, o cenário é sujo e sombrio. O piloto apresenta Marcus Lopez (Benjamin Wadsworth), jovem vítima das políticas sociais e econômicas de Ronald Reagan, presidente norte-americano entre 1981 e 1989. Órfão, ele vaga pelas ruas com diversos outros desabrigados, entre criminosos e insanos, esquecidos pelo governo dos EUA e repreendidos pela polícia violenta. Marcus vê a chance de canalizar essa raiva quando é encontrado por uma equipe de assassinos e convidado a juntar-se à escola King's Dominion, sob os ensinamentos do Mestre Lin (Benedict Wong).
Em muitos aspectos, Deadly Class parece uma antítese às fórmulas do diretor John Hughes, que se tornaram um marco oitentista: seu retrato do colegial, por exemplo, traz as diferentes tribos que se espera de uma história escolar, porém ao invés de nerds e valentões, os grupos são formados por punks, nazistas, cartéis mexicanos, filhos de agentes da CIA, FBI e da Yakuza - todos treinando para se tornarem matadores, anarquistas e desordeiros.
O primeiro capítulo coloca o espectador na perspectiva de Marcus, apresentando este novo universo com o objetivo de despertar o fascínio da uma ordem social diferente, mas também aproveita para estabelecer as relações que o protagonista terá ao longo da temporada. O garoto compra uma briga com o ex-namorado de Maria Salazar (María Gabriela de Faría), uma assassina mexicana com maquiagem característica do Dia dos Mortos, e também se aproxima de Saya Kuroki (Lana Condor), uma das líderes da máfia japonesa e aluna mais próxima do Mestre Li. Mesmo assim, Marcus ainda é um pouco distante dos demais desajustados, criando amizade apenas com Willie (Luke Tennie) após descobrir que este, na verdade, é um pacifista em meio a uma escola de matadores.
Ainda há muito chão pela frente, mas a série começa forte ao mostrar a visão cínica e disruptiva com que tratará os anos 1980, década que já se despede da consciência popular para dar espaço para a nostalgia noventista. O programa tem um senso de humor único, que beira o sombrio mas também sabe brincar com clichês e tramas adolescentes, com potencial para entregar algo divertido e cheio de personalidade. Resta ver como o restante do elenco será desenvolvido e se Marcus avançará sua missão de assassinar o presidente dos EUA, mas pelo puro prazer contracultural que a série apresenta em seus roteiros e personagens, Deadly Class é algo para ficar de olho.
O piloto de Deadly Class foi disponibilizado pelo Syfy no Youtube em dezembro de 2018. [Atualização 06/5] A primeira temporada completa já está disponível no serviço de streaming Globoplay.