Séries e TV

Crítica

Veronica Mars - 4ª temporada

Apesar da boa trama de mistério, revival prova que as habilidades da protagonista para investigação foram as únicas coisas que amadureceram

31.07.2019, às 08H58.

Veronica Mars foi defendida por Kristen Bell sempre com uma devoção inegável. A série estreou em 2004, numa época em que ainda não vivíamos a valorização bem-vinda de protagonistas femininas; e Veronica era um frescor em meio a tantos equívocos. Independente, forte, com um humor peculiar, a personagem ainda tinha o plus de ser uma promissora investigadora, ao lado pai Keith (Enrico Colantoni). Veronica Mars não era uma série popular (em tempos onde Gilmore Girls e The OC disputavam holofotes), mas era, sem dúvida, uma das mais respeitadas pela crítica, com um seleto grupo de seguidores, completamente cientes de suas qualidades intelectuais.

Em sua trajetória, Veronica passou por muitos eventos trágicos. Perdeu a mãe, sua melhor amiga foi assassinada, ela passou por abusos e violências e é claro que muito de sua personalidade foi negativamente afetada por isso. Durante as três temporadas em que ficou no ar da primeira vez, a série foi bastante competente em ilustrar a psicologia da protagonista, revelando suas dificuldades em manter laços, em ser leal com os amigos, em aceitar a emoção e o papel dos sentimentos na vida de cada um. Obcecada pelo trabalho e sempre usando o escudo do cinismo, Veronica era fascinante justamente por não ser uma heroína comum. Mas, embora os aspectos negativos de sua personalidade fossem naturais, a progressão dos acontecimentos apontava para um futuro melhor. 15 anos se passaram, Veronica não tem mais 16 anos... Porém, de uma maneira muito controversa, o criador da série Rob Thomas se recusa a tirá-la da posição de vítima, infeliz, traumatizada, insociável, num reflexo direto do que o revival foi capaz de produzir.

Bomba

Os oito longos episódios do revival começam com a explosão de uma bomba em Neptune, matando quatro pessoas, levando Veronica e o pai a uma investigação a respeito. Os suspeitos da onda de ataques se situam entre os novos personagens (com exceção de Dick Casablancas), que vão desde Clyde Pickett (JK Simmons), um ex-empregado de Dick; até o entregador de pizza Penn (Patton Oswalt), que tem um bizarro grupo de amigos nerds que investigam crimes não-resolvidos. No meio disso tudo estão também a nova “amiga” de Veronica, Nicole (Kirby Howell); e Matty (Izabela Vidovic), a filha do dono do motel que foi pelos ares e que funciona – descaradamente – como um item de compensação para amenizar os resultados das estranhas decisões do criador para a finale. Antigos rostos também estão de volta, para o deleite de quem acompanhou tudo até o fim.

Quando Veronica Mars estreou, em 2004, o mundo seriado já era tomado de produções que investigavam crimes. Em 2019, para chamar a atenção do público uma produção desse tipo precisa fazer muito mais. Rob Thomas parece ter entendido isso, já que a simples pergunta "Quem está explodindo as bombas?" teve sua resposta desmembrada em muitos elementos. Aí entram os recursos que fizeram a série funcionar. Rob usa todos eles. Veronica e o pai movem as peças do mesmo jeito esperto que antes, saem na frente da polícia – e são renegados – do mesmo jeito que antes, plantam escutas, se disfarçam, enganam suspeitos... tudo como antes. A temporada é muito honesta nesse sentido e mesmo com tantas recorrências narrativas, tudo é feito com elegância, com o mesmo texto inteligente e sim, algumas surpresas. Nada foge à regra (menos a terrível nova abertura), tudo é ligeiramente previsível, mas em boa parte, funciona porque era isso que todos os fãs queriam. Cheia de deux ex machinas que salvam Veronica e Keith nos últimos minutos, a série não amadureceu sua forma de contar histórias, sendo isso menos grave que não amadurecer sua protagonista.

Lá pelo episódio 5 a ausência dos laços de amizade de Veronica incomoda. Wallace (Percy Daggs III) está lá, mas tem pouquíssimas cenas e nenhuma relevância na trama. É um alerta. Tina Majorino, que vivia Mac, declarou que foi convidada para voltar à série, mas se recusou ao perceber claramente que Thomas não tinha interesse em desenvolver as relações de Veronica. Ao assistirmos os episódios isso também fica bastante evidente. 15 anos depois Veronica não cultivou proximidades reais com ninguém além de Wallace e mesmo com Weevil (Francis Capra) o roteiro insiste em manter uma atmosfera de hostilidade. Os episódios aproximam Veronica de Nicole, mas apenas para que a investigadora repita o mesmo dilema entre ser leal ao trabalho ou ao crescimento daquele novo encontro. A Veronica de agora toma as mesmas decisões da Veronica de 16 anos, sem exceção. De fato, nada mudou. Ou melhor, uma coisa mudou: Logan (Jason Dohring).

Spoilers abaixo!

Como sempre acontece nas tramas de mistério, a finale reserva as maiores viradas. Quando o novelo se desembola, descobrimos que a história toda foi bem conduzida e fazia sentido. As respostas satisfatórias são importantes, mesmo aquelas que só parecem verdadeiras e logo em seguida se reconfiguram. Para esse último episódio o roteiro não se privou de grandes viradas e mesmo com Veronica sendo um pouco babaca com as tentativas de Logan de ultrapassar o colegial (o que é, em grande parte, um fetiche de Thomas pela romantização desse comportamento autodestrutivo), lá estava até mesmo o casamento que representava, enfim, o próximo passo e o crescimento de Veronica enquanto mulher independente, forte, com um humor peculiar, grande investigadora... e também capaz de abraçar a felicidade. Essa finale, contudo, escondia a verdadeira intenção de Rob Thomas.

Compondo o quadro de imaturidades do revival, Rob passa anos construindo a relação entre Logan e Veronica, passa anos mostrando através do rapaz que é possível superar tragédias de modo sensato, para escolher, de modo chocante, eliminá-lo. O resultado, é claro, foi desastroso. Os fãs (que chegaram a bancar o filme de 2014), se sentiram traídos e as justificativas de Thomas para ter tomado tais decisões foram ficando cada vez mais turvas. Segundo ele, numa estranha correlação, o futuro da série dependia da morte de Logan, já que ele queria transformar Veronica numa protagonista de filmes noir, que nutre a vida com o trabalho, sem nunca ter tido um marido ou amante. Ou seja, a série só poderia continuar com uma Veronica miserável, infeliz, resolvendo casos 24 horas por dia como se não fizesse parte do mundo real. A quinta temporada nunca pareceu tão distante.

A despeito de todo o fator emocional dessa decisão, ela parece, antes de tudo, um recurso de choque gratuito. Em retrospectiva, até a grande maturidade de Logan perante tudo soa como uma forma de aumentar o nível de crueldade de sua morte (que por causa do casamento já foi alto). Depois de todo esse tempo, é lamentável ver o revival de uma protagonista de 16 anos se comportar como se ela ainda tivesse 16; e um autor que fez sucesso há 15 anos atrás não ter amadurecido nem mesmo 15 dias enquanto roteirista. Veronica Mars ainda está acima da média em comparação com muita coisa que está por aí, mas perdeu a chance de ser mais do que um passado travado e opressor.

Nota do Crítico
Bom