Séries e TV

Crítica

The Walking Dead - 5ª Temporada | Crítica

Morta, sociedade ressurge na série apenas para ter uma faca cravada na cabeça

30.03.2015, às 00H42.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H48

Há uma diferença fundamental na tentativa de erguer uma sociedade e no ingresso em uma que já está em funcionamento. Na terceira temporada de The Walking Dead, Rick Grimes (Andrew Lincoln) e seus aliados buscaram segurança atrás dos muros de uma prisão, com as cercas invertendo seus papeis e uma nação vizinha e seu Governador como oponentes pela nova ordem pós-apocalíptica. Sonhos devastados no ano quatro, sobrou ao grupo o retorno à estrada, agora com a esperança de um novo lugar seguro, Terminus. O paraíso, porém, virou pesadelo e recolocou a "Familia Grimes" em movimento, sonhando novamente com uma cura para a aflição dos mortos-vivos, que ao final não passava de ilusão covarde.

Os sobreviventes seguem, assim, temporada após temporada buscando um oásis, um local para descansar e no qual talvez não tenham que lutar por suas vidas no dia seguinte, escorando portas frágeis das hordas de desmortos. A segunda metade do ano cinco foi marcada justamente por esse tema recorrente, o retorno à civilização, à ordem, à barba feita, aos biscoitos no forno e o cheiro de limpeza. O Hospital já representava tudo isso - e efetivamente tinha quase tudo - mas trazia também dilemas sobre como manter essa ordem em um mundo sem lei.

Esses dilemas ganharam expressão ainda maior em Alexandria, a comunidade quase inocente, ilhada do mundo selvagem lá fora e, diferente do ditatorial Hospital, comandada por um conselho. Ao cruzarem seus portões, Rick, Michonne, Daryl, Sasha e os outros precisam deixar pra trás a grossa camada de sujeira das batalhas travadas. Nesse momento, The Walking Dead mergulha de cabeça em uma investigação do estresse pós-traumático nesses tempos de completa insegurança, em que o mais dócil dos aliados pode ser um canibal e cada canto escuro pode ocultar carne morta... e faminta.

Empregando um tom mais monótono, contemplativo e marcado por ritmo bem mais lento do que o das temporadas anterioras, os produtores da série foram extremamente bem-sucedidos em usar o quinto ano para desenvolver personagens e situações. Basicamente, cada encontro, cada sugestão de porto seguro serviu para enlouquecer o grupo. Conforme ficaram mais letais com suas armas, perderam a razão. Sasha (Sonequa Martin-Green) é o exemplo mais claro, ao lado do eternamente atormentado pela responsabilidade da liderança, o moralmente deturpado Rick, seguindo em seu despreparo para lidar com o poder quando a fumaça se dissipa. Inversões também aconteceram, com a favorita dos fãs Michonne (Danai Gurira) surgindo como uma voz da razão - com direito a flashbacks de quem se tornou -. e Carol (Melissa McBride) tornando-se uma mestra maquiavélica da manipulação.

"Nós não seguimos as regras deles", explicou o desequilibrado Rick no penúltimo episódio da temporada. "Mas nós somos eles, Rick", argumentou Glenn (Steven Yeun), em um dos diálogos mais emblemáticos do ano. A incapacidade de funcionar em sociedade do líder dos sobreviventes, que começou até a caminhar trôpego como um morto-vivo em sua transformação em tudo o que detestava antes de despertar nessa nova realidade, foi o ponto focal da quinta temporada de The Walking Dead. A série juntou-se assim a produções que exploram relações de poder e teorias de identidade social, como A Experiência e O Senhor das Moscas, mas entregando entretenimento de massa de qualidade, abusando de gênero e banhada em glorioso gore, digno de George A. Romero (RIP cavalo castanho, RIP Noah), no processo.

Ao final, porém, fica a certeza de que no mundo de The Walking Dead não há espaço para o debate sobre moralidade. O que importa é a capacidade de permanecer vivo e fazer o necessário, por mais questionável que seja, nesse sentido. Ao contar com os loucos, o que Alexandria representava afundou em uma poça de sangue, mas a cidade ao menos está estruturalmente à salvo.

Até que o lobos se acerquem ao portão, atraídos pelo cheiro, pelo menos.

Nota do Crítico
Ótimo