The Good Place/NBC/Divulgação

Séries e TV

Crítica

The Good Place - 3ª Temporada

Série reafirma a própria competência em não sair do lugar e ao mesmo tempo ainda ser ousada e atrevida

07.02.2019, às 23H44.
Atualizada em 06.08.2019, ÀS 13H21

O planejamento conceitual de uma série determina aquele momento crucial em que precisamos saber exatamente para onde devemos ir, não nos deixando seduzir pelo deleite de uma "boa ideia", sem saber exatamente se teremos condições de mantê-la sendo boa por muito tempo. Tempo é uma coisa importante quando se fala de TV. Surpreender o espectador é essencial, mas não se pode sacrificar o próprio conceito em nome disso. Temos exemplos cabais do quanto a desatenção pode arruinar uma boa ideia, como em Dexter. Muitas vezes a necessidade de esticar uma trama e manter as surpresas em vigência pode provocar uma traição de princípios básicos da exata gênese daquela produção.

The Good Place é uma dessas boas ideias que lutando para viver respeitando as próprias características. A história da intrusa que entra por engano no "céu" ficou lá atrás, na primeira temporada, quando tudo era uma questão de ver como uma personalidade tóxica se ajustaria na ideia do paraíso idealizado. Poucos personagens, poucos cenários, uma produção modesta apoiada principalmente em texto, mas com uma cilada colocada em si mesma: a necessidade de apresentar reviravoltas. Já no seu primeiro ano as coisas sofrem distorções impressionantes, fazendo com que a dramaturgia – mesmo sendo cômica – passasse a discutir de um jeito muito ousado, as engrenagens sociais.

Até aí tudo bem, mas uma vez feita a primeira grande virada, a responsabilidade de continuar virando e revirando o jogo foi detectada. O universo criado por Mike Schur é muitíssimo rico e por toda a segunda temporada a ideia das reiniciações foi intensamente usada, obrigando o espectador a embarcar junto no exagero, que, até então, era uma forma inteligente de mostrar como a vida tem suas inevitabilidades. Os roteiros se divertiram com essa noção, que dava aos atores uma infinidade de oportunidades igualmente divertidas. Tudo levava até o momento em que a série daria mais um outro passo muito ousado: levar os personagens de volta à Terra, vivos, para que assim tentassem sua nova chance no lugar bom. Parecia a reviravolta definitiva, embora ao final desse terceiro ano, tenha chegado de volta ao mesmíssimo lugar.

The Good Place é uma série peculiar não só na sua forma, mas também nas liberdades que toma e na maneira bem sucedida com a qual burocratiza a transgressão. A terceira temporada é aquele em que os roteiros vão longe na interpretação de como são os mecanismos da passagem entre a vida e a morte: se as coisas são complicadas no mundo real, nos planos superiores a burocracia chega a ser desnorteante. É claro que trata-se de um texto ágil e sagaz, então, logo não demora para que as devidas analogias sejam feitas. A partir do momento em que os personagens retomam a saga para chegar até algum dos planos de pós-vida, coisas como um "umbral" corrupto entram na roda de referências.

Infelizmente, algumas vezes essa necessidade de tirar trunfos da manga eclipsa o que é mais importante no fim das contas: a evolução dos personagens. Eleanor(Kristen Bell) é o objetivo central da trama, porque embora seja uma temporada muito cheia de atalhos fantásticos, a protagonista não pode negar (apesar das inúmeras reiniciações) a força das relações que construiu. Esclarecer a relação dela com Chidi (William Jackson Harper) demanda mais seriedade, o que joga nas costas de Tahani (Jameela Jamil), principalmente, a maior parte do alívio cômico do ano. Nela e em Janet (D'arcy Carden), que segue sendo tão engraçada quanto complexa. O episódio que reúne várias versões da robô é um dos melhores da temporada e uma prova imensa do trabalho de Carde, que merece muito mais crédito do que o que tem.

Maya Rudolph e Maribeth Monroe fazem participações muito bem colocadas, assumindo uma posição essencial que Michael (Ted Danson), em sua trajetória, também já superou. Mesmo sendo "o arquiteto", um ser acima da humanidade, a proximidade com o quarteto de almas atormentadas também age sobre ele. Tudo que Michael faz agora tem uma determinação quase altruísta, deixando para os outros seres divinos a responsabilidade pelo distanciamento. A juíza vivida por Rudolph, por exemplo, é uma mistura fascinante e irresistível de sabedoria e deboche. O texto da série pode estar preso a seus loopings em alguns aspectos, mas o reconhecimento das incoerências da vida faz constantemente ainda continua no lugar certo.

A única grande questão são justamente essas repetições. Depois de praticamente toda a terceira temporada longe do que é estabelecido como "O lugar bom", esperava-se que o programa não fosse girar tanto para cair no mesmo lugar. É fato que a posição de Eleanor está diferente, mas apelar para outra reiniciação de um dos personagens empobrece a narrativa, que soa preguiçosa quando resolve tudo com a perda de memória.

É hora de ponderar, da mesma forma que os criadores de Unbreakable Kimmy Smichdt fizeram; sobre o possível fim de The Good Place, enquanto ainda é possível salvá-la do cansaço dramatúrgico que soa iminente. A linda cena final da temporada, com Eleanor e Janet dividindo um momento de ternura - sendo elas o cruzamento de duas trajetórias de compreensão do que é ser "humano" – mostra que enxergar as imperfeições é essencial para seguir adiante com otimismo. A série está num bom lugar, o melhor seria preservá-la ali.