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Crítica

The Chair: Série da Netflix com Sandra Oh é simpática e bem escrita

Produção foi criada por Amanda Peet e está sob tutela dos criadores de Game of Thrones

20.08.2021, às 15H12.
Atualizada em 23.08.2021, ÀS 18H22

As produções centradas em faculdades americanas são um filão reconhecido por Hollywood como lucrativo e bem sucedido, sobretudo porque as histórias contadas são focadas em juventude, em como fraternidades são absolutamente insanas ou sobre como estudantes podem ter suas vidas transformadas pelo período em que passaram por ali. Em muitos casos, no entanto, a passagem entre High School e Universidade não é feita com muita precisão e os dramas televisivos que se dedicam a explorar esse território, ficam devendo em maturidade e evolução. Talvez por todos esses motivos é que The Chair, nova comédia da Netflix, seja tão legítima.

É bem provável que a maioria dos veículos tenha vendido a série como “criada por David Benioff e D. B. Weiss”, os responsáveis por Game Of Thrones, que desde seu final desastroso não se tornou o melhor dos créditos criativos. De fato, apesar de ambos terem sua força mercadológica, eles não aparecem creditados como criadores e sim como produtores executivos. Sabemos que a produção executiva é uma posição que inclui decisões narrativas, mas quando olhamos mais atentamente para os outros envolvidos, David e Weiss parecem ainda menos presentes nesse campo.

The Chair foi criada por Annie Wyman e por Amanda Peet, ambas em seus primeiros trabalhos como showrunners. O nome de Amanda, inclusive, é essencial para entender um pouco de onde a série saiu e qual o tom que foi pretendido para ela. Em 2015, Amanda esteve no elenco da comédia Togetherness, da HBO, que com um tipo de humor muito discreto, contava histórias de superação pessoal entre indivíduos que estavam em estados emocionais miseráveis e acabavam apoiando-se uns nos outros. Togetherness foi criada por Jay Duplass, que não atuava. Já seu irmão, Mark Duplass, era justamente quem contracenava com Amanda. Em The Chair, Jay é quem está no proscênio.

Togetherness e The Chair se aproximam na relação entre Peet e os irmãos Duplass, na linguagem minimalista do enredo e no tom quase silencioso de sua comédia, inteligente e elegante. É muito mais fácil acreditar que toda essa rede de conexões originou The Chair, do que acreditar que David e Weiss tenham qualquer coisa a ver com o resultado final. Contudo, ver os dois na produção executiva não deixa de ser curioso. Depois de anos trabalhando em torno da grandiloquência de um épico, lá estão eles envolvidos com uma série que se comunica sem levantar a voz e sem exagerar no senso de jornada.

Quem senta na cadeira?

A bela escolha de Sandra Oh como protagonista se justifica logo nos primeiros minutos da série. Ji-Yoon, sua personagem, começa se tornando a primeira mulher não-branca a assumir a “cadeira” do departamento de inglês da Pembroke University. O problema é que a universidade enfrenta uma grande crise financeira, que tem raízes numa mudança de abordagens que o sistema local não conseguiu acompanhar. A maioria dos professores, muito mais velhos, é acusada pelos estudantes de não ter se modernizado, e Bill (Jay Duplass), um dos docentes mais populares, perdeu a esposa e está numa constante espiral de autodestruição. Cabe a Ji-Yoon colocar tudo de volta nos eixos.

Como é de seu feitio, Sandra Oh está 100% comprometida com a personagem. Ajuda muito o fato de Ji-Yoon ser uma mulher asiática que adotou uma menina mexicana que faz questão de manter suas raízes culturais. A pequena Ju Ju (Everly Carganilla) desafia a mãe e os embates entre elas colorem a personagem de Sandra de uma forma que não estamos acostumados a ver. Tanto em Grey's Anatomy quanto em Killing Eve, Sandra viveu mulheres que renunciavam a muito do que representa a família tradicional americana. Ji-Yoon tem em comum com Cristina e Eve, a obsessão pelo trabalho. Mas, a luta para alcançar Ju Ju num nível sentimental é o que faz com que a personagem seja um trunfo criativo para Sandra.

E acreditem, Sandra precisa de um. Embora a série tenha sido muito esperta em misturar sua comédia com participações incríveis, como as de Bob Balaban e Holland Taylor (impecável); há uma dificuldade em manter um equilíbrio justo entre a posição de Sandra como protagonista e Jay como coadjuvante. E isso não deixa de ser curioso. The Chair fala sobre como as mulheres são tratadas no ambiente acadêmico, sobre como a velhice é uma questão da qual nem a experiência do saber está livre e do quão tenebrosa é a realidade do etarismo. Nada disso surge na tela de modo sublinhado, mas está ali, coletando impressões que se refletem na posição da personagem de Sandra naquela “cadeira”.

Impossível, então, ignorar que há certo dissabor na forma como os roteiros “acertam demais” na trajetória de Bill, aproximando-o de Ju Ju de um jeito tão irresistível que acaba eclipsando a presença de Ji-Yoon. Também são as inconsequências de Bill que movimentam o curso dos acontecimentos e acabam resumindo grande parte do que a personagem de Sandra precisa fazer nos episódios. Isso fica notório na semana em David Duchovny surge para uma participação como ele mesmo e Sandra tem a oportunidade de explorar Ji-Yoon numa storyline à parte do que está acontecendo com Bill. Ela agarra essa chance com as unhas e Ji-Yoon se agiganta.

The Chair é simpática, confortável e muitas vezes surpreende com uma inteligência despretensiosa. Mas, é inevitável não pensar em como ainda é difícil lidar com a dinâmica teimosa da mulher profissional que soa insensível ao passo em que o homem inconsequente vaza para a ficção como um adorável boêmio. The Chair é uma delícia de assistir, mas se houver futuro para ela, seria preciso uma intervenção. “A Cadeira”, enfim, não é de quem deveria ser.

Nota do Crítico
Ótimo