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Crítica

The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story | Crítica

Segunda temporada da antologia surpreende ao mergulhar na mente de Andrew Cunanan, o assassino de Versace

27.03.2018, às 17H01.

Em sua formatura no Ensino Médio, lá no final dos anos 80, Andrew Cunanan – um brilhante jovem com altíssimo QI e as melhores probabilidades do mundo – decidiu que sua passagem pelo livro de formatura do colégio não seria como qualquer outra. Desde muito cedo, o garoto aprendera que você pode ser tudo na vida, menos comum, ordinário. Ele nascera para ser qualquer coisa acima de excelente. Ao invés de fotografias burocráticas, ele -  que fora eleito  “o que mais provavelmente não seria esquecido” - abriu a camisa, posou casualmente e mandou escrever ao lado uma frase que representaria todo o seu futuro: “Depois de mim, a destruição”.

Esse mesmo Andrew Cunanan, anos depois, abordou o famoso estilista Gianni Versace em frente a sua casa, em Miami, e lhe atingiu com dois tiros na cabeça. O rosto de Versace foi desfigurado pelas balas e sua morte causou uma instantânea comoção em torno do assassino. Algo socialmente estranho estava por trás daquele crime, algo que tinha muito mais a ver com a razão pela qual o estilista havia sido escolhido como vítima. De alguma forma, ao puxar o gatilho, Cunanan estava – como diz um dos personagens no último episódio da série – “querendo ser ouvido”.

Algum tempo depois do assassinato o livro Vulgar Favors, de Maureen Orth, surgiu para tentar explicar um pouco dos caminhos daquele jovem que se transformara num assassino frio. O livro foi escolhido como fonte de inspiração para aquela que seria a terceira temporada de American Crime Storyantologia criada por Ryan Murphy e que fora um sucesso irrepreensível no seu primeiro ano. Problemas de planejamento atrapalharam o andamento do tema do segundo ano (o furacão Katrina) e The Assassination of Gianni Versace passou à frente. A decisão foi controversa, uma vez que a narrativa e o conceito da temporada eram completamente diferentes do que já tinha sido visto no ano um. E, ao que parece, a dinamização tão oposta serviu bastante aos propósitos do programa.

DeSilva

As decisões criativas da série começaram a aparecer logo cedo. Enquanto a primeira temporada começava do crime para o futuro (com eventos de julgamento), em The Assassination of Gianni Versace a história começa com os tiros e depois vai voltando no tempo, gradativamente, fazendo com que cada episódio dê mais um salto para trás. Isso faz com que a temporada – se vista de trás para frente – ganhe outra perspectiva narrativa e exata, o que é bastante ousado enquanto linguagem. O impulso que fica, inclusive, é o de fazer exatamente isso: voltar e assistir do 8 para o 1 e depois saltar até o 9, que é quando a história é concluída no presente.

Durante o tempo em que esteve no ar, a série foi acusada de ter “problemas de ritmo” e que são provavelmente atribuídos a esses retornos no tempo. A diferença de abordagem dramatúrgica pesou para o espectador sobretudo porque entre esses retornos no tempo havia pontes lúdicas ou mesmo pequenos desvios atemporais que compunham o investimento nas complexidades do assassino e que podem ter desfocado a atenção ou soado como retardatários dos objetivos fundamentais da trama. Efetivamente, o planejamento da segunda temporada de ACS é muito bem calculado e se completa num ciclo impressionante. Sabemos muito cedo na temporada do que Cunanan foi capaz e a cada semana em que nos encontramos com seu passado de expectativas, mais fica chocante saber do futuro. É um jogo de complexidades psicológicas captadas pelos roteiros justamente porque são construídos dessa maneira.

Em 1997, a negligência da polícia na captura do criminoso foi o ponto de partida para a criação do engajamento da narrativa. Andrew era um mentiroso compulsivo, cheio de ideias de grandeza, viciado em auto-importância e arrogante. Ele também tinha uma relação ambígua com a própria homossexualidade, vivida entre os anos 80 e 90 e que imortalizou na cabeça do menino a ideia de maldição interconectada a coisas horríveis como não ser amado, desejado ou ser incapaz de fazer com que as pessoas o amassem pelo que ele era e não pelo que ele tinha.

Cunanan

Todo o estudo psicológico em torno do algoz é bastante apurado e a atuação de Darren Criss é completamente colaborativa nesse sentido. Conhecemos um Cunanan maltrapilho, viciado, se prostituindo em guetos logo antes de matar Versace. Passamos para o período em que todas as suas frustrações pessoais implodem nos assassinatos de seus dois melhores amigos. Logo após, descobrimos como sua juventude foi tomada de decisões que buscavam a validação dos modos mais inescrupulosos possíveis. Criss compreende os impulsos de personalidade do papel de maneira plena. Ele quer muito ser e ter, mas não é nada e não tem nada. Isso para, enfim, chegarmos até a infância e adolescência, quando tudo que Cunanan era não o diferenciava de nenhuma outra criança que sonha em ter uma vida fantástica.

As caracterizações de Donatella (Penélope Cruz), Antonio (Ricky Martin) e Gianni (Édgar Ramírez) também eram essenciais e boa parte das frustrações de alguns espectadores vieram da vontade de ver mais deles nos episódios. Não se sabe se a má reação da família ao anúncio da série interferiu de  forma prática ao que foi feito. Contudo, é importante estabelecer que a temporada era sobre a morte de Versace, não sobre a vida dele. Para entendermos porque Cunanan o escolheu, precisávamos mergulhar em sua mente e os roteiros foram incrivelmente certeiros na construção da sua identidade.

Além disso, a homofobia vigente naqueles anos era baseada em silêncio, em “Não pergunte, não responda”, em ignorar o problema para fingir que ele não existe. Foi esse um dos fatores que possibilitou a longevidade de Cunanan em sua caminhada de homicídios iniciados em abril e terminados em julho de 1997, quando a polícia invadiu o esconderijo onde o assassino passou oito dias, depois do último crime; e que ficava a apenas algumas quadras de onde Versace sucumbiu.

Episódios como "A House by the Lake" acabam sendo pequenas obras de arte ao não desperdiçar o papel das vítimas na equação. A linguagem menos nervosa que a de The People v. O.J. Simpson também pode ter contribuído para as estranhezas. Porém, aqui as tensões não se concentram em encontrar argumentos, mas em vislumbrar camadas de existência que podem comover e chocar, sobretudo quando a reconstrução da época é tão competente e sensível. E essa sensibilidade não pode ser confundida com uma defesa humanitária ao assassino. O passado de Cunanan é tomado, sobretudo, de suas demonstrações de superioridade, ira e oportunismo. Mas, ele não é um serial killer. Todos os que morreram por causa dele, morreram porque ele precisava se vingar, vingar-se do que ele merecia e não lhe davam, vingar-se pelo que fizeram ao seu futuro, enquanto homens poderosos e talentosos tinham permissão para serem quem eles quisessem, com o aval da sociedade. Ele queria matar por inveja e por crueldade, tirando de todos os que pudesse seus direitos de serem melhor sucedidos que ele.

O final da temporada faz o paralelo definitivo: os “gritos bélicos” do assassino, seu rastro de ódio e rancor, deixaram-no cada vez mais distante do que ele planejou para si. Sozinho, ilhado e acuado, enquanto o mundo chorava a morte do estilista que amava. O silêncio matara o ícone e a compreensão da própria mediocridade matou seu algoz. American Crime Story não teve a segunda temporada mais aclamada, mas apresentou um estudo humano minucioso e extremamente sombrio, complexo e, ao mesmo tempo, lindo.

Nota do Crítico
Ótimo