Cena de Temporada de Verão, da Netflix (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

Temporada de Verão mira na série adolescente e acerta no pior dos novelões

Produção da Netflix reforça tudo de errado que existe na produção de roteiros em território nacional

23.01.2022, às 17H15.

Nos EUA (principal produtor de narrativas seriadas no mundo), é comum haver uma divisão de tipos de dramaturgia de acordo com a hora do dia em que aquela produção está sendo assistida. Daytime Television é como se chama a faixa diurna, onde estão situados os programas de auditório e as soap operas, as novelas, que ficam no ar por décadas a fio. Embora tenham um público fiel, essas novelas não representam o avanço de cultura pop que costuma ser estabelecido pelas séries que são exibidas nas noites do país; ou seja, as novelas americanas não pautam a mídia como as nossas novelas fazem por aqui.

E sim, é difícil lutar contra anos e anos de uma referência textual que é tão presente no nosso dia a dia. Fica mais difícil ainda quando essas referências do folhetim se encontram com o que já absorvemos de básico dos códigos da narrativa seriada. De certa forma, embora as linguagens sejam diferentes, elas se encostam quando os autores lançam mão de alguns recursos. Nenhuma das duas é 100% "limpa", mas é importante que haja uma fronteira que as separe. Por mais leigo que seja o espectador, ele vai perceber - num nível sensorial - que lhe venderam gato por lebre.

Esse é o grande problema de Temporada de Verão, que, como várias das produções nacionais de streaming, tem uma linguagem visual seriada, mas se baseia em um texto carregado de tudo de mais cansado entre as novelas. E não é só um problema da Netflix. A oportunidade de colocar uma série no ar tem sido dada a profissionais que estão automatizados pelo que viram nas novelas e nas séries de anos atrás, e que não conseguem estabelecer uma identidade enquanto surfam na superficialidade desses métodos. O verniz técnico, o visual, está sempre ali. Mas, o texto parece transcrito de qualquer episódio de uma série dos anos 90. Chega a ser exato, em alguns casos. É automatização pura.

Curta Temporada

As evidências já começam no enredo. Temporada de Verão está apoiada na clássica história da patricinha redimida pela necessidade. Giovanna Lancellotti é Catarina, que após a prisão da mãe rica se vê sem nada, sendo obrigada a trabalhar no hotel Maresia - onde se passa a história - para sobreviver. Estão encaixados ali os coadjuvantes, com direito a interesse romântico que já tem namorada (Jorge López, o Valerio da série Elite) e a melhor amiga que começa como inimiga, mas é uma espécie de voz da consciência, Yasmin (Gabz). Já sabemos tudo que vai acontecer na história de Catarina, porque já a vimos centenas de vezes.

Sem preocupação com o óbvio, as diretoras Isabel Valiante e Caroline Fioratti abraçam a previsibilidade e abusam do que o folhetim tem de mais recorrente. Yasmin, por exemplo, tem o plot do pai recém-descoberto. Rodrigo (Leonardo Bittencourt), o playboy sem alma, tem um pai frio e rígido. Conrado (Maicon Rodrigues) quer ser músico e é gay, mas a família não entenderia nenhuma das duas coisas... É tudo identificável nos primeiros 3 segundos e nada na história é conduzido com o mínimo de originalidade. A palavra DNA, a armação do vilão que põe a culpa num inocente, a cena do funcionário sendo humilhado pelos ricos que jogam sujeira no chão para ele limpar, a salvação de afogamento no último minuto e por aí vai...

Apesar de muito clara e solar, a maior parte da ação em Temporada de Verão se passa em estúdio, o que também é um traço tipicamente folhetinesco. Para uma série com esse título, passar tão pouco tempo em sequências externas (e que na maioria das vezes se resumem a uma praia) é questionável. A direção dos atores é inexistente e os diálogos seguem a mesma cartilha do passado: diretos, expositivos e sem inventividade. Nada em Temporada de Verão, aliás, precisaria ter acontecido no verão. O compromisso com a atmosfera é tão pequeno que se tudo aquilo acontecesse no inverno, nenhuma linha precisaria ser mudada.

Apesar de tudo isso, Giovanna Lancellotti tem carisma e consegue dar algumas nuances para a protagonista. Ela é o nome que encabeça o elenco e essa foi a melhor decisão que os produtores poderiam ter tomado. Maicon Rodrigues e André Luiz Frambach também conseguem fazer suas cenas juntos funcionarem. Jorge López - a carta na manga - está cercado de colegas falando em outra língua e talvez a apatia de seu personagem seja resultado da insegurança. A jornada de Catarina (que em nada depende de um interesse romântico) perde força quando interage com ele.

E, quando chegamos ao final, esse anacronismo subvertido, essa incapacidade de dosar os clichês com um pouco de modernidade, se agrava. O que eles preparam para a protagonista é o encontro definitivo com o que há de mais substancial numa novela das nove. Só que essa é uma série de TV, e o conflito de linguagens grita entre uma sequência e outra. Catarina se conforma com o destino de uma mártir e é punida com algemas. Sim, porque dentro dessa ultrapassada mentalidade dramatúrgica - presa no que se fazia 3 décadas para trás - o maniqueísmo é a única saída.

É sempre bom saber que o mercado seriado nacional está a pleno vapor, mas não se pode mais pensar na quantidade de títulos de um catálogo, deixando para trás a qualidade deles. Qualquer série, novela, filme, começa no texto... e se tudo pode ser perdoado caso o texto seja bom; a mesma cortesia fica impossível quando ninguém sabe o que quer dizer e nem como dizer. Temporada de Verão até que procura seu lugar, mas nessa busca ela não tá nem perto de ficar quente.

Nota do Crítico
Ruim