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Séries e TV

Crítica

Os Inocentes - 1ª temporada

Nova série da Netflix recicla o esgotado universo dos jovens com superpoderes para entregar algo que soe inédito

27.08.2018, às 20H30.
Atualizada em 28.08.2018, ÀS 01H33

Depois de séries como Stranger Things, Sense8 e, é claro, as produções da Marvel na Netflix, o serviço de streaming voltou a apostar na fábula de pessoas com poderes extraordinários em Os Inocentes, nova atração britânica do catálogo. A primeira temporada em oito partes traz muito do que já foi explorado do assunto não só pela Netflix, mas pelo gênero como um todo: indivíduos com dons excepcionais sendo testados como ratos de laboratório, o paradoxo das habilidades que são simultaneamente dom e maldição, protagonistas que foram atirados contra vontade no meio de uma trama complexa e sombria. Contudo, a principal carta na manga da atração é a inocência do amor incondicional que liga seus personagens principais.

As figuras centrais da trama são June (Sorcha Groundsell) e Harry (Percelle Ascott), dois jovens apaixonados que decidem abandonar suas rotinas sufocantes e seus históricos familiares traumáticos. Enquanto June foi criada pelo pai adotivo, um homem amargo chamado John (Sam Hazeldine), após a menina ser abandonada pela mãe, Harry carrega a responsabilidade de cuidar do pai, que ficou mentalmente incapacitado há anos. A questão é que, no meio da fuga romântica e libertadora do casal adolescente, os dois são surpreendidos pela descoberta de que a menina tem o poder se se metamorfosear, roubando a aparência de quem toca durante momentos catárticos, e isso vira a vida dos dois de cabeça para baixo.

O grande mérito de Os Inocentes está em entregar ao público uma trama bem amarrada: se o espectador não deixar as belas paisagens usadas como locação para a série tirarem sua atenção, vai perceber que todas as linhas narrativas são convergentes. No meio da descoberta dos poderes, o passado volta a puxar o pé da menina sob a forma de um homem perigoso que diz ser enviado pela mãe desaparecida dela - a partir daí, June e Harry embarcam em uma fuga muito diferente do que eles haviam planejado originalmente. Aliás, apesar de algumas obviedades pontuais, em Os Inocentes quase nada é o que parece em sua primeira impressão.

É o caso, por exemplo, da comunidade criada por Halvorson para pessoas com habilidades semelhantes às de June, onde está, inclusive, sua mãe. O personagem vivido por Guy Pearce é envolto em uma áurea de mistério durante quase toda a temporada e a série cria um desconforto por apresentar um homem que camufla suas intenções atrás de uma suposta docilidade. Há uma atmosfera de seita perigosa rondando o grupo o tempo todo, mas a aparência pacífica não entrega em um primeiro momento os reais perigos que o lugar e seu idealizador escondem. Os Inocentes não abdica de empregar alguma complexidade na construção de seus protagonistas ou antagonistas: a trajetória de Halvorson, que assume o papel do homem corrompido, é um exemplo disso.

Há alguns lugares-comuns em tramas de adolescentes extraordinários - como foi visto por anos nos quadrinhos, filmes e séries de TV dos X-Men, Os Inocentes não se exime de usar superpoderes em paralelo às mudanças da adolescência. Aliás, fazendo o paralelo com X-Men, é impossível para qualquer entusiasta dos mutantes não lembrar do drama da Vampira, impossibilitada de encostar em outras pessoas sem absorver suas memórias e poderes - com June, sua habilidade se manifesta também no toque e os efeitos nas vítimas são semelhantes ao caso da personagem criada por Chris Claremont. A grande diferença é que Os Inocentes não é, nem de longe, um conto sobre super-heróis. Pelo contrário, June não tem intenções megalomaníacas de salvar o mundo: a jovem só quer viver em paz.

É essa a grande jogada de Os Inocentes: entregar um produto enxuto, sem reinventar a roda. A cada novidade que brota na trama, o novo programa da Netflix parece algo que já foi visto, mas, ainda assim consegue passar ineditismo pela forma como organiza seus elementos - a originalidade ali está em encaixar assuntos batidos, criando daí algo que soa realmente novo. É preciso inventividade para reciclar a lógica de que o amor é a força mais poderosa do universo sem parecer enfadonho - a série não só tem sucesso nessa empreitada, como isso é essencial para o enredo. Além de, como já foi falado, Os Inocentes encaixa muito bem seus personagens e eventos: o gancho deixado no episódio final é poderoso e suficiente para valer a pena a renovação da série, uma grata surpresa do serviço de streaming.

Nota do Crítico
Ótimo