Ninguém Pode Saber é o tipo de história de mistério que, quanto mais revela os segredos de sua trama, mais se mostra banal. A roteirista Charlotte Stoudt, trabalhando em cima de um livro de Karin Slaughter, é culpada de propaganda enganosa: ela injeta uma aura de suspense e intriga ao início da série da Netflix que não se justifica no decorrer dos episódios seguintes, preenchidos com correrias inconsequentes e diálogos mecânicos, culminando em um anticlímax que despacha o grande vilão da trama com facilidade risível e esvazia o impacto moral de sua última virada narrativa.
A série começa na pacata comunidade de Belle Isle, no interior da Georgia (EUA), onde a terapeuta Laura (Toni Collette) se torna uma celebridade nacional ao parar um tiroteio em uma lanchonete cortando a garganta do atirador quando ele ameaça sua filha, Andy (Bella Heathcote). A exposição midiática não é bem-vinda, no entanto - como Andy logo descobre, sua mãe tem mais a esconder do que parece. Logo, ela se vê atravessando o Sul dos EUA atrás de respostas enquanto acompanhamos, em flashbacks, o tal passado misterioso de Laura.
Um aspecto interessante da produção é que ela foi filmada inteiramente em Sydney, na Austrália. A diretora (britânica) Minkie Spiro, que assina todos os oito episódios de Ninguém Pode Saber, faz um trabalho para lá de convincente ao “transformar” as locações da metrópole australiana nas ruas empoeiradas e inclementemente ensolaradas dos estados sulistas americanos, apresentando - meio por necessidade, meio por escolha artística - uma versão mais urbana e contemporânea dessa região do que aquela normalmente pintada pela lente da ficção.
Spiro, inclusive, parece muito mais confortável dirigindo as cenas ambientadas no presente do que os flashbacks, que são talvez a maior fragilidade da série. Quanto mais tempo os capítulos se dedicam ao passado de Laura, menos interessantes eles são: com Collette fora de cena, quem assume o centro dos holofotes é uma Jessica Barden (The End of the F***ing World) inexpressiva, enquanto a fotografia calorosa e a edição precisa das cenas do presente são substituídas por tons frios e takes demorados, refletindo o tom pretensamente perturbador da relação entre a jovem Laura e o revolucionário Nick (Joe Dempsie, de Game of Thrones).
Parte do problema é que Ninguém Pode Saber não sabe como, ou não está interessada em, desenvolver as nuances da história que propõe. Ao invés disso, fica na superfície de várias narrativas diferentes: a do líder de movimento que explora a preocupação social genuína de seus seguidores para alimentar o próprio ego; a do namorado abusivo que mantém um controle inexplicável sobre sua vítima; a da família bilionária inescrupulosa com laços de afeto tortos e um senso de dever e controle sufocantes.
Dessa forma, é difícil para o espectador se ver realmente chocado com as revelações que se enfileiram pelos episódios. Afinal, nós não conhecemos essas pessoas o bastante, ou entendemos bem o bastante o dano que elas causaram, para nos importarmos com elas. E não é por falta de esforço de Toni Collette, viu? A atriz agarra cada pequena oportunidade que Ninguém Pode Saber lhe dá para pintar o quadro mais rico possível de uma mulher que viveu e vive mergulhada em mentiras, incapaz de confrontar os próprios traumas por estar, por necessidade, física e psicologicamente isolada deles.
Ali por volta dos episódios 6 e 7 da temporada, quando já sabemos o bastante sobre o passado de Laura para entender o básico do funcionamento de sua mente, Collette brilha ao dar à personagem a potência emocional que falta a todo o resto da série. É o vislumbre de um talento excepcional metido em um projeto agressivamente medíocre.