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Séries e TV

Crítica

Luke Cage - 2ª temporada

Série agrada, mas desperdiça potencial por intercalar jornada complexa com momentos entediantes

16.08.2018, às 15H00.
Atualizada em 16.08.2018, ÀS 17H46

Após uma primeira temporada que trouxe uma lufada de ar fresco às produções de super-heróis da TV, Luke Cage passou por Os Defensores e retornou ao Harlem para o segundo ano de sua série solo. A nova remessa de episódios veio em um momento em que as séries da Marvel na Netflix já desgastaram o brilho inicial de suas ótimas estreias e começaram a entediar o público com fórmulas prontas e a queda da qualidade - as continuações de Jessica Jones, Demolidor e até Os Defensores empolgaram muito menos que seus lançamentos. Luke Cage não foi diferente: apesar de momentos realmente notáveis, o segundo ano ficou aquém do seu potencial por insistir em erros já previsíveis do formato. A jornada do herói foi realmente interessante: o Luke do começo não é o mesmo do final, mas, no meio do caminho, a morosidade e os subterfúgios para alongar a trama podem ter sido suficientes para fazer o público largar a história no meio do caminho.

As duas melhores coisas da temporada vem do protagonismo feminino: Misty (Simone Missick) é muito mais interessante que o próprio Luke (Mike Colter) em vários aspectos e Mariah (Alfre Woodard) se firma como uma das mais formidáveis vilãs da Marvel na TV, tão interessante - sim - quanto o Killgrave (David Tennant) de Jessica Jones. No caso de Misty, como se o drama de lidar com ter perdido o braço não fosse o bastante, a personagem mergulha na frustração de ver o trabalho na polícia não render frutos sólidos e isso leva Misty a lugares obscuros que poderiam desviá-la do caminho, mas que solidifica traços de sua personalidade. Já Mariah concentra para si todos os momentos mais marcantes da temporada, seja pela personagem atingir todo seu potencial de brutalidade, seja pela complexidade que a humaniza sem redimi-la.

É interessante também ver a série abordando relações familiares fraturadas, tanto entre Luke Cage e seu pai, quanto entre Mariah - novamente ela! - e sua filha. A problemática principal da temporada - a vingança do Bushmaster (Mustafa Shakir) - gira em torno do legado deixado de pai para filho, logo, é interessante ver essa mesma dinâmica aplicada de forma mais sutil. Luke e Tilda (Gabrielle Dennis) compartilham relações problemáticas com seus genitores ainda vivos: ambos foram abandonados, respectivamente, por James (Reg E. Cathey) e Mariah em momentos importantes de suas vidas. Em ambos os casos, o impacto disso é negativo e a forma como isso opera no psicológico dos dois herdeiros é muito bem trabalhada na temporada.

Ainda abordando acertos antes de entrar nos problemas, vale pontuar que as participações tanto de Colleen (Jessica Henwick) quanto de Danny Rand (Finn Jones) são interessantes e foram bem trabalhadas o suficiente para render frutos interessantes se a Marvel estiver disposta a investir em produtos como Heróis de Aluguel ou Filhas do Dragão. Além disso, é impossível não elogiar o investimento na trilha sonora da temporada. Ao longo dos 13 episódios, o público contou com participações de nomes imponentes do R&B e hip-hop, como Faith Evans, Joi & D-Nice, Gary Clark Jr., Esperanza Spalding, Christone ‘Kingfish’ Ingram, Stephen Marley, Jadakiss, KRS-One, Rakim, e Ghostface Killah - foi como frequentar o Harlem's Paradise, sem a parte dos frequentes tiroteios, é claro.

O grande problema do segundo ano de Luke Cage é, contudo, familiar aos fãs das séries da Marvel na Netflix: o tamanho. A  temporada é pontuada por várias sequências longas e dispensáveis que parecem só estar ali para cumprir a minutagem. O sexto capítulo, “The Basement”, por exemplo, é uma sucessão eterna disso: começa com Misty em uma sessão de autocomiseração, passa por Shades (Theo Rossi) relembrando a vida na cadeia com Comanche (Thomas Q. Jones), continua com Piranha (Chaz Lamar Shepherd) desabafando sobre a vida para Luke Cage e segue nisso ao longo do capítulo. A série precisa balancear melhor seus momentos de descanso entre uma batalha e outra para que eles não sejam só passagens tediosas e sim partes tão interessantes ao público quanto ver Luke quebrando fuzis com as mãos.

Aliás, falando nisso, as lutas da temporada tem qualidade inconstante: enquanto momentos como o de Misty e Colleen dando um surra em um grupo de idiotas em um bar são ótimos, o confronto agendado entre Luke Cage e Bushmaster no alto de uma ponte é vergonho - Luke parece o Tropeço da Família Adams lutando e há momentos de embate que soam tão falsos que parecem saídos de um wrestling dos anos 1980. Isso, infelizmente, acontece ao longo de toda a temporada. Colter imprime muito mais realidade nos confrontos em que Luke, como é de se esperar, não demonstra dificuldade física em enfrentar seus inimigos do que quando precisa fazer o mínimo de esforço.

Sobre John Bushmaster, a novidade do segundo ano, o vilão começa não correspondendo expectativas, em seguida consegue conquistar seu lugar na trama e perde qualidade novamente na tentativa de redenção em seus momentos finais na temporada. A motivação original no conflito com Luke Cage, paralelo a sua história com Mariah, não é das melhores: logo no terceiro episódio, Bushmaster diz que Cage o irrita “simplesmente por existir”. A relação entre mocinho e vilão na temporada não tem background e se estabelece apenas como uma disputa territorial de poder aleatória. No caso da história dele com Mariah, há profundidade, mas a adição de seu passado como justificativa de seu presente chega perto de transformar a série em uma novela maniqueísta.

O enredo do segundo ano parece óbvio em um primeiro momento, mas, ainda bem, engana o espectador e segue por alguns caminhos inesperados. Durante parte da trama, parece lógico que Tilda seja parte da derrota de Bushmaster ou que Hernán supere Mariah no pódio de vilão da série, mas Luke Cage apresenta reviravoltas importantes. Ao fim dos 13 episódios, o Harlem não é a sombra do que era no começo da temporada e os lugares ocupados pelos personagens não soam minimamente forçados: todo fim é justificado pelos meios na série. Apesar de passar a temporada sendo eclipsado pelos coadjuvantes, Luke é quem termina a série na posição mais surpreendente e promissora: o herói chega ao ápice do poder no Harlem e certamente será interessante vê-lo descobrir que a linha de chegada que ele tanto almejava, longe de ser perfeita, era apenas o meio do caminho.

Nota do Crítico
Bom