Love, Death + Robots/Netflix/Divulgação

Séries e TV

Crítica

Love, Death + Robots - 1ª Temporada

Pensada para ser maratonada, antologia repleta de personalidade, boas histórias e bizarrice pode ser a melhor criação da Netflix em muito tempo

02.04.2019, às 17H51.
Atualizada em 04.07.2019, ÀS 17H43

Quando consolidou seu lugar como a líder dos streamings, a Netflix passou a investir em um modelo que preza muito mais pela quantidade de conteúdo do que pela qualidade. Isso significa que, semanalmente, a plataforma é bombardeada de novidades - sendo boa parte delas produções originais. Enquanto muito títulos são duvidosos, o lado positivo é uma maior experimentação de formatos, tramas, gêneros e até mesmo talentos na frente e atrás das câmeras. Nada simboliza melhor isso do que Love, Death + Robots.

O conceito de antologia não é nada novo para as produções televisivas de gênero, com exemplos como The Twilight Zone, The Outer Limits, Masters of Horror e muitas outras. Ainda assim, como prova Black Mirror, o formato tornou-se ainda mais relevante na era do streaming pela facilidade de maratonar temporadas. Neste projeto a ideia é levada à outro nível: cada capítulo conta uma história diferente (dentro da temática do título), mas também é comandado por variados cineastas e, ao contrário do programa de Charlie Brooker, tem diversas durações por episódio. Isso resulta em maior liberdade para testar ideias que talvez não rendam uma hora de conteúdo, mas que transmitem sua mensagem e causam impacto em menos de dez minutos - como "Os Três Robôs", que mostra um trio de robôs turistas pela Terra pós-apocalíptica, ou então "Histórias Alternativas", que brinca com o conceito de questionar "e se…" para acontecimentos históricos.

O ritmo é dinâmico, e a reprodução automática do serviço reforça que o ponto é não pensar muito no que se viu, pedindo por um aproveitamento mais emocional do que racional. É um caso onde a plataforma claramente influenciou a criação do conteúdo - tanto é que boa parte dos episódios são rasos, sem muita intenção de se aprofundar na própria temática. Em alguns, como "A Testemunha" e seu mistério a lá Alfred Hitchcock, isso é perdoado pela boa construção da narrativa; em outros, como "Noite da Pescaria" ou "Proteção Contra Alienígenas", só passam a impressão de algo incompleto. É claro que há uma limitação de tempo, mas com ótimos contos redondinhos como "Para Além da Fenda de Aquila" e "Ajudinha", por exemplo, fica difícil usar isso como desculpa. De qualquer forma, é uma temporada impressionante por não ter episódios verdadeiramente ruins, só ocasionalmente medianos enquanto a maioria intriga e deixa salivando por mais.

Isso não significa que não há problemas no programa. A caracterização de grande parte das personagens femininas é o maior deles: os roteiros parecem gostar em um nível preocupante de colocá-las como vítimas de abuso sexual, mesmo que seja para depois colocá-las como fortes por terem passado por esse trauma - recurso narrativo baixo e batido que se repete em "A Vantagem de Sonnie" e "Boa Caçada". Quando não é o caso, é só nudez gratuita mesmo. Ainda que a nudez seja um elemento natural quando a narrativa pede, todas as vezes que Love, Death + Robots coloca gente pelada na tela é sem relevância, como uma tentativa de taxar sua história como "madura". Por sorte, há vários episódios entre a leva de 18 que não apelam pra nada disso, como o já-citado "Ajudinha" e o excelente "13, Número da Sorte", estrelado por Samira Willey (Orange is the New Black).

Além da descoberta de uma nova trama a cada capítulo, o estilo visual é um atrativo por si só. Antologias de vários diretores costumam seguir a mesma linguagem para configurar unidade entre si; já o seriado joga essa regra pela janela e deixa cada equipe e estúdio surtar, o que traz muita personalidade para o conjunto. Parece que há um pouco de tudo aqui: "A Testemunha" é descolado como um crossover entre Homem-Aranha no Aranhaverso e um clipe do Gorillaz; já "A Vantagem de Sonnie", "Ajudinha" e "Para Além da Fenda de Aquila" trazem CG de altíssima qualidade, graças ao trabalho da Axis Studios, Unit Image e da Blur Studios (veteranos de cutscenes de jogos como God of War e as franquias Halo e Destiny); ou então "Quando o Iogurte Assumiu" e "Histórias Alternativas", que trabalham com uma estética mais descontraída, digna de animações da internet; em certo ponto há até um live-action estrelado por Topher Grace (Infiltrado na Klan) e Mary Elizabeth Winstead (Scott Pilgrim). Tudo isso adiciona ao suspense de não saber o que esperar do próximo capítulo, e também à satisfação de ver algo inteiramente novo toda vez.

Love, Death + Robots é um dos melhores projetos da Netflix nos últimos anos, carregado de personalidade e, principalmente, potencial: muitas das tramas merecem ganhar filmes/séries próprias, e muita gente talentosa definitivamente poderia se envolver em mais conteúdo da plataforma, como o autor John Scalzi (Guerra do Velho), que escreve três dos 18 episódios do programa. É uma série que justifica a maratona, e que ajuda a reforçar o quão variado, estranho e maravilhoso o gênero de ficção científica pode ser quando abraça suas características mais marcantes ao invés de tentar escondê-las para agradar o grande público.

Nota do Crítico
Ótimo