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Séries e TV

Crítica

Ilha de Ferro – 1ª Temporada

Nova série do Globoplay traz impressionante valor de produção e muito drama

17.11.2018, às 15H12.

As últimas produções globais, incluindo séries como Carcereiros e Assédio e as novelas Dois Irmãos e Amores Roubados, têm vivido uma paixão avassaladora pelo pessimismo. Através de uma estética competente e lúdica, as histórias carregam na exploração da dor, muitas vezes nem dando ao espectador a chance de respirar. É como se uma linha de fabricação estivesse presa na mesma engrenagem e produzisse uma infinidade de obras belíssimas que precisam mostrar como são densas e viscerais a cada quadro, diálogo e curva narrativa.

Ilha De Ferro tem todas as condições para isso. A série foca na rotina de uma plataforma de petróleo, recordista de acidentes de trabalho, em que Dante (Cauã Reymond) trabalha e sonha ser o diretor. Quando está quase alcançando esse objetivo, descobre que o cargo na verdade será de Júlia (Maria Casadevall) e imediatamente começa uma rivalidade com ela. Em terra, ele lida com uma esposa viciada (Sophie Charlotte) e um irmão bandido (Klebber Toledo) que é apaixonado por sua mulher. Em torno disso estão os dramas dos outros empregados da plataforma e absolutamente todos são limítrofes. Uma olhada atenta ao grupo de personagens que compõem a série vai revelar a maior verdade sobre ela: essa é uma história sobre gente extremamente infeliz.

Escrita por Max Mallmann (que faleceu durante as filmagens) e Adriana Lunardi, a produção foi apresentada como um produto com duas novas temporadas garantidas. Aqui, então, esbarramos em outro problema das investidas globais. Assim como Supermax, último grande investimento dramatúrgico da emissora, Ilha de Ferro sofre da mesma ansiedade criativa, abraçando ação, terror, romance, suspense e até mesmo o folhetim novelesco. Isso pode fazer parecer que estamos diante de uma obra completa, quando na verdade o resultado soa superficial. Os roteiros querem tanto provocar catarse pelo drama que acabam se esquecendo de preparar o terreno para tanto.

O episódio piloto reúne uma coleção de misérias humanas que impressiona. Dante descobre a traição do irmão, provoca um acidente que o deixa em coma e lida com uma esposa que não tem uma cena sequer sem que esteja chorando, suando, reclamando ou chapando. Júlia, a nova diretora da plataforma, tem um trauma que a transformou numa pessoa dura e fria. Entre os empregados da plataforma, temos mais viciados, adúlteros e até um assassino. E não pense que os episódios te darão tempo para um alívio cômico... Todos esses traços dramáticos são sublinhados ao extremo e qualquer oportunidade para frisar o drama é aproveitada com afinco. Não demora para que a densidade seja desmascarada não como uma consequência da ação, mas como uma exigência criativa. Inevitavelmente, se importar com os personagens passa a ser uma tarefa bem difícil.

Contudo, é inegável mais uma vez, que a produção mantém um absoluto nível de excelência. E não é só uma questão de efeitos especiais (que são realmente incríveis). A direção artística de Afonso Poyart é cristalina, mesmo em meio a tanta valorização do que existe de pior nas pessoas. Ele, de fato, potencializa esse dramalhão ao utilizar recursos de edição muito semelhantes aos de Requiem Para um Sonho, reforçando o horror existencial dos personagens com recursos visuais caóticos, vertiginosos, que buscam metaforizar os acontecimentos através de sonhos e projeções. É um trabalho realmente admirável, coerente com a proposta, mas que reitera o imenso pessimismo que exala do resultado final.

Iron Man

Em longos 12 episódios, Ilha de Ferro faz apontamentos políticos importantes e tenta cavucar em meio aos rompantes emocionais algum senso de dever nos personagens. A vida em terra parece horrível para todos eles, mas a vida na plataforma parece tão tenebrosa quanto. As poucas cenas de descanso não são suficientes para suavizar o quadro e logo começamos a pensar se o roteiro foi eficiente na tentativa de mostrar os personagens voando para a plataforma como se voassem para uma fuga de tudo que há de ruim no continente. As vidas são horríveis, o trabalho é horrível, tudo dá errado o tempo todo e até quando surge o romance é de uma forma bruta, violenta e insensível.

Todas as atuações já começam gritando, o que é até condizente com a exigência dramatúrgica. Porém, se uma performance começa tão lá em cima, não há mais para onde crescer. Não ajuda ver Reymond novamente vivendo um “sabe-tudo/pego todas”. Casadevall se masculiniza para se impor perante os homens e Charlotte lembra Hipodermic Sally de American Horror Story. Está sempre drogada, sempre chorando, sempre suando, sempre descabelada, sempre trôpega... é exaustivo. Jonathan Azevedo e Taumaturgo Ferreira têm bons personagens e equilibram as performances. Infelizmente, Moacyr Franco e Osmar Prado são subaproveitados neste enredo, que também tenta “abraçar o mundo”.

Como em todo folhetim novelesco, já sabemos que a rivalidade entre Dante e Júlia vai virar romance. A temporada acessa os itens clássicos previstos: uma trama de isolamento, uma trama de traições extra-conjugais, de dependência química, de sequestro... e termina o ano com um clímax que poderia facilmente ser o novo longa de Dwayne Johnson nos cinemas. Com tanto pessimismo, poderia se esperar que torcêssemos por personagens que sofrem tanto. O problema é que com tão pouco exercício de diluição dramática as explosões narrativas perdem impacto e pouco importa o que resultará delas. O texto raso (que se autorreferencia a cada vez que alguém usa o termo “Ilha de Ferro” para falar da plataforma) completa o quadro.

Ainda que cheia de problemas, Ilha de Ferro deve agradar o espectador que quer ver ação, egocentrismo masculino e algumas cenas de nu. De quebra, a ótima conceitualização visual da série vai ser um grande argumento quando defendida por seus admiradores. A iniciativa é valiosa e importante, resta apenas esperar que as próximas temporadas reajustem a sintonia. Um pouco menos de pretensão dramática, entretanto, viria a calhar.

Nota do Crítico
Bom