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Crítica

Gunpowder | Crítica

Trama histórica bem produzida é eclipsada pela dificuldade de Kit Harington em se desconectar de Jon Snow

27.03.2018, às 21H00.
Atualizada em 30.03.2018, ÀS 07H03

Para os amantes de séries sobre a história britânica, como as premiadas The Crown e The Tudors, Gunpowder pode soar como uma opção atraente. A minissérie em três capítulos lançada pela BBC One aborda o episódio do século XVII que ficou conhecido como Conspiração da Pólvora, quando um grupo provinciano de católicos ingleses se cansou da perseguição religiosa protestante e decidiu assassinar o rei Jaime VI da Escócia e I de Inglaterra explodindo o Câmara dos Lordes com o monarca e seus apoiadores dentro dela. Usando a história como pano de fundo, a série desenvolve uma trama clássica, com mocinhos lutando pelo fim da opressão, reis manipuláveis e vilões motivados por ganância e crueldade.

Inevitavelmente, o principal carro-chefe da série é Kit Harington, que além de protagonizar o projeto também assina como produtor executivo. Com o fim próximo de Game of Thrones, é de se esperar que Harington busque novos trabalhos que desvinculem sua imagem a do personagem Jon Snow. O problema é que Gunpowder vai pelo caminho exatamente oposto: toda aparição do ator na série grita o nome do bastardo de Winterfell. Como se já não bastasse a ambientação medieval, a construção de seu novo papel, o conspirador Robert Catesby, é muito semelhante a de Jon Snow: ambos são figuras de liderança e arautos da justiça.

Fica difícil entender se a capacidade interpretativa de Harington é de fato muito limitada, se o ator está engessado pelos sete anos de Game of Thrones ou se Robert realmente é um doppelganger psicológico de Jon Snow. A forma como o personagem se impõe, seus discursos sobre colocar o dever na frente do amor, a teimosia que culmina na predisposição ao sacrifício em nome da honra - a lista de comparações indeclináveis é realmente extensa. E se Harington não surpreende, também não há nenhum outro nome no elenco que se destaque por atuações excepcionais. Liv Tyler, Peter Mullan, Mark Gatiss e os demais atores fazem um bom trabalho, mas sem nenhum momento brilhante de destaque.

Em aspectos técnicos, a série conquista os fãs de narrativas ambientadas em outras épocas: há um preciosismo realmente esmerado com cenários, figurinos e objetos. A direção de fotografia consegue imprimir, através de iluminação e cores, sensações opostas de um ambiente para o outro - há um clima soturno acinzentado na vida pobre dos plebeus e exuberância colorida nas cenas da corte, por exemplo. A fidedignidade não se restringe aos elementos inanimados da trama e se estende a todos os níveis de produção, passando por maquiagem e efeitos visuais - a série não mede, por exemplo, os limites do estômago do público na hora de mostrar cenas de tortura medieval.

Não é a primeira vez que a Conspiração da Pólvora é pano de fundo para ficção. O episódio serviu de inspiração para V for Vendetta, a aclamada série de histórias em quadrinhos escrita por Alan Moore e, posteriormente, para o filme homônimo que foca no nome de Guy Fawkes, interpretado na série por Tom Cullen. Há uma curiosidade interessante, aliás, sobre a série. Para Kit Harington, existe uma motivação extra em dar vida à Robert: Catersby é o nome do meio do ator, que carrega no sangue a história do personagem que é, na verdade, seu antepassado.

Gunpowder escolhe o caminho da narrativa tradicional na hora de contar o episódio, podendo soar algumas vezes como material didático para alunos de ensino médio. A série, um drama baseado em conflitos políticos, opta pelo ponto de vista histórico mais simples e não se compromete, fazendo dela um memorial sobre uma luta que ficou marcada na cultura popular. Talvez pela equação formada pela duração da minissérie e pela complexidade do assunto abordado, é difícil estabelecer laços, se emocionar ou qualquer coisa que vá além de torcer pelos protagonistas. A série cumpre seu papel ao ser um registro bem feito sobre um grupo de homens injustiçados em sua busca por justiça, mas, fria e rápida, não atinge o coração do espectador.

Nota do Crítico
Bom