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Crítica

Grey’s Anatomy encerra temporada 18 com uma celebração dos seus 400 episódios

Último episódio mostrou que nem Meredith e nem Ellen Pompeo têm o direito de dizer adeus

30.05.2022, às 10H14.
Atualizada em 30.05.2022, ÀS 10H43

Em 2018, Ellen Pompeo deu uma entrevista reveladora para o The Hollywood Reporter, onde contava que foi somente após a saída de Patrick Dempsey de Grey's Anatomy, em 2015, que ela conseguiu realmente se tornar protagonista dentro e fora do âmbito da ficção. As palavras exatas dela foram: “Para mim, [Patrick saindo] foi um momento decisivo, em termos de negócios. Eles sempre poderiam usá-lo como vantagem contra mim – 'Nós não precisamos de você; nós temos Patrick' – o que eles fizeram por anos. Não sei se eles também fizeram isso com ele, porque ele e eu nunca discutimos nossos acordos. Houve muitas vezes em que o procurei para negociar, mas ele nunca se interessou por isso. A certa altura, pedi US $ 5.000 a mais do que ele apenas por princípio, porque o show é Grey's Anatomy e eu sou Meredith Grey. Eles não me deram”.

A entrevista apontava uma virada importante para Ellen (que se tornava a mulher mais bem paga da TV americana), enquanto na série, a virada para Meredith já tinha acontecido. Por mais que amássemos Christina (Sandra Oh), a saída dela foi o primeiro passo para que Meredith insurgisse como a peça fundamental que ela sempre foi, mas que permanecia eclipsada. Por muitos anos, o público aceitava o papel da personagem como uma inevitabilidade técnica. Meredith precisava estar ali porque a série tinha o nome dela, mas ela não era querida ou valorizada como tal. E isso, em grande parte, contribuiu para que ela se transformasse numa refém.

Na sala de roteiristas, Shonda Rhymes e Krista Vernoff davam as pistas que podiam do que era a verdade. Na saída de Sandra Oh, fizeram Christina dizer para Meredith que ela precisava entender que Derek não era o sol. Quando Derek foi morto na série, fizeram de uma forma em que absolutamente ninguém precisou ter uma cena de despedida com ele. Nem Ellen. A sensação era de que todos os boatos sobre o comportamento insuportável dele eram verdadeiros. Contudo, na temporada 17, no meio da pandemia, Patrick topou voltar para alguns episódios... o jogo tinha virado: Ellen agora é uma estrela muito maior que ele.

O preço foi alto... Pouco a pouco, uma série de personagens originais foram deixando a produção e o público passou a se apegar aos rostos que mantinham a ligação entre o passado e o presente. Bailey (Chandra Wilson) havia se descaracterizado no decorrer dos anos e Richard (James Pickens Jr) nunca havia sido um nome dos mais queridos. Meredith e Alex (Justin Chambers) seguraram essa responsabilidade por muito tempo, até que ele também saiu e o título Grey’s Anatomy começou a pesar como nunca. A presença de Meredith podia ser até mesmo elusiva (como na temporada do coma), mas a audiência precisava saber, de qualquer jeito, que ela permaneceria ali.

400 Days of Grey’s

Depois de se tornar o drama médico mais longo da história, Grey’s agora também alcançou a incrível marca de 400 episódios; e a cada um desses marcos o direcionamento é sempre o mesmo: nostalgia. A ordem é inserir flashbacks dos originais que nunca voltarão (ou porque morreram ou porque não têm interesse em retornar) e trazer de volta quem dá para trazer. Addison (Kate Walsh), Jackson (Jesse Williams), April (Sara Drew) e até Koracik (Greg Germann). Nenhum deles é capaz de iluminar um especial como esse como ele merecia, mas eles reforçam a realidade da série desde então: o passado é o maior amigo e o maior inimigo de Grey’s Anatomy.

A décima oitava temporada, contudo, foi uma das mais bem organizadas dos últimos anos. Depois do surto que foi a temporada 16 e da tribulação da temporada 17, agora os roteiristas parecem ter pensado com mais calma no que fazer para manter as coisas dentro do mínimo de coerência e senso de entretenimento. Havia aquela longa e cansativa jornada entre os casais. Mas, também havia um plano central que além de ser relevante para o universo da série, também era interessante e dramaticamente consistente para a protagonista.

Nesses 400 dias juntos, público e produção nem sempre se entenderam bem. Conhecida por ser uma série sobre relacionamentos, Grey’s agora cansa todos nós por causa deles. É o que podemos chamar de “armadilha narrativa”: para que os personagens tenham escopo na temporada, precisam de dramas; então, nenhuma relação construída pelos roteiros pode ser natural ou duradoura. É por causa disso que em certo ponto da temporada todos os casais vivem uma crise e se tornam a parte difícil de continuar seguindo em frente.

Maggie (Kelly McCreary) já vinha de uma relação ruim com Jackson, e quando parecia que estava tudo bem com o novo namorado, chega um irmão perdido para causar tensões. Jo (Camilla Luddington) está completamente perdida depois da saída de Alex. Então, Linc (Chris Carmack), que já tinha se dado mal com Amelia (Caterina Scorsone), tenta algo com Wilson, e falha de novo. Amelia, lá do outro lado, tenta uma nova relação e o drama do “não quero ter filhos” volta para assombrar pela enésima vez. Isso sem falar em Owen (Kevin Mckidd) e Altman (Kim Raver), que não funcionam bem seja lá qual for a abordagem. É um caos emocional que sempre usa a mesma “melodia”: uma das partes não consegue externar algo, passa vários episódios agindo estranhamente e tem a mesma conversa ao som de alguma canção do Sleeping At Last.

Grey’s Analogy

Correndo por fora desses enredos românticos mal engendrados, Grey’s conseguiu dar conta de dois bons núcleos centrais. O primeiro deles foi a tensão em torno da possibilidade de que o hospital perdesse o direito de ter residentes, o que significava, enfim, que ele não seria mais um hospital-escola. Desde o início da série, a presença dos residentes é o que mantinha tudo em perspectiva. Os personagens originais começaram sendo residentes e assim fomos vendo as evoluções de todos eles até as posições de prestígio em que estão agora. Isso inclui os residentes que foram chegando depois.

Atualmente, temos uma boa turma. Levi (Jake Borelli) é quem tem a construção mais complexa. Ele tem seu próprio relacionamento e também seus dramas individuais. Nessa temporada a ideia de fazê-lo cometer um erro médico pode não ter sido a mais original, mas foi desenvolvida com cautela e com segurança. Levi está naquele ponto em que vimos vários deles chegarem: os traumas e derrotas o fortaleceram e ele está se tornando um médico completo. Seu erro também engatilhou o primeiro grande olhar panorâmico que a série deu em sua história. O Grey Sloan não é mais uma referência de ensino porque parou no tempo. É hora de fechar ou de mudar. E foi importante ver Richard e Bailey se dando conta disso.

Meredith segurou muito bem a outra boa condução narrativa da temporada: a pesquisa da cura para o Parkinson. Esse enredo já começou trazendo o novo par da protagonista, que embora tenha chegado para tornar Hayes (Richard Flood) outro erro de percurso, acabou funcionando no decorrer dos episódios. A pesquisa foi feita em outro estado, o que mantinha Meredith em trânsito constante. Quando as coisas dão certo e uma posição fixa é oferecida para ela em Minnesota, começa a busca da personagem por tentar entender o que a mantém presa numa cidade que está, literalmente, cercada de fantasmas.

Foi aí que Krista Vernoff fez aquilo que talvez seja a coisa mais intensa que já foi feita na série desde que ela entrou em seus anos de estabilidade (e que ela talvez nem saiba que fez). Meredith simplesmente percebe o óbvio: não existe uma razão legítima para que ela não aceite o novo trabalho. Os filhos estão grandes, seu nome foi estabelecido no hospital, também no meio da medicina, ela venceu prêmios, se dedicou por anos e seu novo e bem-vindo amor está justamente onde ela poderia reconstruir sua vida. Ela pode ir, ela merece ir, ela precisa ir.

O problema é que o programa de residentes acaba de ser fechado, Owen fugiu, Bailey pediu demissão do cargo de chefe, Richard precisa de um hiato profissional e o nome Grey na fachada parece ser a única coisa que ainda mantém o prédio de pé. Jackson diz a ela, sem cerimônia, que ela tem a obrigação de ficar em nome do que o hospital já foi um dia. O último episódio tem a intenção de “emocionar” com um monte de flashbacks mal editados no meio das cenas, mas o resultado é uma sensação de sequestro. Meredith, aos prantos, diz que precisa ficar. Mas, ela não quer ficar. E o hospital de súbito parece uma prisão, onde ela é mantida contra a vontade, para honrar os mortos e manter as contas, tal qual Ellen Pompeo precisa ficar, ano após ano, mesmo que às custas de si mesma. É uma sequência desconfortável, que alcança um certo nível de deboche involuntário quando o número 400 aparece na tela.

Ano que vem Grey’s Anatomy está de volta. Nem Meredith, nem Ellen parecem perto de serem absolvidas.

Nota do Crítico
Bom