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Crítica

GLOW - 1ª Temporada | Crítica

Série não mergulha na profundidade de suas personagens e o resultado disso é só mais uma produção divertidinha

27.06.2017, às 16H26.
Atualizada em 27.06.2017, ÀS 17H21

Após boas atuações em Community e Mad Men, Alison Brie retorna aos holofotes como protagonista de GLOW, nova série da Netflix sobre o improvável universo da luta livre feminina nos anos 1980. O programa tem produção de Jenji Kohan, a criadora de Orange is the New Black - o que, por si só, alimenta algumas expectativas positivas sobre a atração, também protagonizado por um núcleo predominantemente feminino. Porém, as criadoras Liz Flahive (Nurse Jackie) e Carly Mensch (Orange Is the New Black) acabam não demonstrando a mesma maturidade de Kohan na hora de aprofundar a construção da personalidade das personagens, a maioria delas com grande potencial.

A trama gira em torno de Ruth, a personagem de Alison Brie, uma mulher frustrada com a carreira de atriz que nunca decola e que permite que sua insegurança paute seus relacionamentos afetivos. A primeira cena da série é, curiosamente, uma das melhores da temporada inteira: Ruth, durante um teste de elenco, lê um texto poderoso e, após agradecer ter sido chamada para uma personagem feminina forte, é alertada que estava lendo as falas do personagem masculino por engano. Uma abertura estimulante que acaba fazendo com que o desenvolvimento de Ruth seja, de certa forma, decepcionante. 

Em resumo, a protagonista tem dois eixos na trama: sua jornada para se tornar uma atriz reconhecida e sua relação conturbada com a ex-melhor amiga Debbie, interpretada por Betty Gilpin. O único traço realmente bem desenvolvido em Ruth é sua insegurança quase patológica, fruto em parte de uma autoestima minada pelo desprezo profissional. Ruth sofre para pagar as contas, sofre com as oportunidades medíocres de trabalho e sofre pelas escolhas amorosas complicadas. A jovem transa com o marido sem sal de Debbie, Mark (Rich Sommer) após investidas pífias que só surtem resultado graças a um pico insegurança na vida da moça. É uma premissa que garante humanidade para a protagonista: ela não é simplesmente alguém que erra ou acerta, mas alguém que tem um background e que é falível como todo ser humano, em maior ou menor escala. O problema é que isso não evolui para nada. A relação entre Ruth e Debbie orbita ao redor de Mark, um sujeito extremamente desinteressante física e intelectualmente, do primeiro ao último episódio.

A própria Debbie sofre do mesmo problema de várias outras personagens: falta de profundidade que a confira personalidade. É como se as mulheres da trama - e os homens também - tivessem apenas uma ou duas características na qual se resume sua pessoalidade e ficassem fundamentando todo e qualquer comportamento só nelas. A Rhonda Richardson de Kate Nash (isso mesmo, a cantora), a Melrose de Jackie Tohn e, principalmente, a Cherry Bang de Sydelle Noel surgem na história como personagens interessantes, cada uma dentro de suas próprias problemáticas, que não chegam a lugar algum e ficam patinando em um escopo limitado.

O grande mérito da série acaba ficando reduzido ao visual: não dá para negar que o figurino, maquiagem e cabelos de GLOW sejam muito empolgantes. A Netflix volta a apostar nos entusiastas dos anos 1980 - algo que deu certo com produções como Stranger Things - ao trazer outro lado da década para a TV, com bodys de ginástica, calças de cintura alta, polainas e cabelos carregados de volume e spray. A trilha sonora também é interessante, com nomes como JourneyRoxettePat Benatar, Queen e David Bowie embalando momentos importantes da trama.

É interessante lembrar que GLOW é inspirada no Gorgeous Ladies of Wrestling, programa originalmente criado por David McLane em 1986. Várias das personagens são homenagens à mulheres do original - Carmen Wade (interpretada por Britney Young) é um retrato da lutadora Mountain Fiji; Dawn Rivecca (Rebekka Johnson) e Stacey Beswick (Kimmy Gatewood) são baseadas na dupla conhecida como The Housewives, formada pelas lutadoras Arlene and Phyllis, por exemplo.

Alison Brie e Betty Gilpin fazem um bom trabalho com o material que tem em mãos - o problema não é a atuação delas, mas o roteiro. O mesmo acontece com Marc Maron, que vive Sam Sylvia, um sujeito que consegue ser extremamente detestável, mas que cumpre seu papel ao apresentar o lado humano de um diretor ególatra, frustrado pela falta de reconhecimento, teimoso e autoritário. Ainda que seja um reflexo de um tipo ultrapassado de homem, Sam tem boas intenções até quando a execução de suas ideias é péssima. Sua proposta de colocar as mulheres para "lutar contra seus próprios estereótipos" funciona na sua mente, mas é um desastre na prática - a indiana Arthie Premkumar (Sunita Mani) ganha um altergo terrorista chamado Beirut, a cambojana Jenny Chey (Ellen Wong) recebe a alcunha de Fortune Cookie e contornos caricaturais chineses. A série mostra estereótipos preconceituosos sendo alimentados de forma irresponsável e é interessante ver o contraponto entre as próprias mulheres incomodadas com isso e Sam sendo incapaz de enxergar a problemática da situação vexatória para elas.

Muito mais do que uma série de luta livre, GLOW é uma série crítica sobre o machismo sofrido por mulheres nos anos 1980. A série fala sobre casamentos abusivos, sobre mulheres levadas a abrir mão do mercado de trabalho e da própria satisfação pessoal, sobre a indução de uma relação de competitividade em ambientes femininos. A série reúne um grupo diversificado de mulheres que acidentalmente mergulham no universo do wrestling, um tipo de luta coreografada e dramática, sucesso na televisão no fim do século passado. Lá, elas acabam descobrindo uma força de vontade que foram levadas a acreditar que nunca tiveram e o resultado disso é uma bela lição de trabalho em equipe. Se as arestas da atração fossem bem aparadas, com todo o potencial apresentado sendo realmente aproveitado, a série teria alcançado um ótimo resultado. Com o roteiro apresentado, GLOW acaba sendo uma série divertidinha - e nada mais. 

Nota do Crítico
Regular