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Crítica

Falcão e o Soldado Invernal expande MCU com problemas reais e ação de primeira

Série do Disney+ dá novo significado ao manto de Capitão América

23.04.2021, às 14H38.
Atualizada em 23.04.2021, ÀS 14H53

Ao longo de 25 filmes, o Marvel Studios pavimentou uma jornada de aventuras que se conectam e, em maior ou menor grau, impactam os capítulos a seguir. Com a conclusão de sua primeira grande saga nos cinemas, o Universo Marvel migrou para o streaming com produções que se aproveitam do formato de TV para dar espaço a heróis que, mesmo com um potencial enorme, ficaram relegados ao papel de coadjuvantes. Após o sucesso de WandaVision, foi a vez de Falcão e o Soldado Invernal chegar ao Disney+ não apenas para continuar a história dos heróis do título, mas principalmente para levar adiante o legado do Capitão América.

Desde que Steve Rogers (Chris Evans) presenteou Sam Wilson (Anthony Mackie) com seu icônico escudo, fãs esperavam ver o novo herói em ação. Por conta dessa expectativa, é curioso que a série tenha um início quase anti-climático, em que o Falcão abre mão do presente - e suas várias implicações. Com um começo inesperado, a produção deu a Sam, um herói consolidado, a oportunidade de ter sua própria “história de origem”, mas com a vantagem de ter a valiosa bagagem de herói veterano.

Com o passar dos episódios, ficou claro que Falcão e o Soldado Invernal foi moldada para contar essa “segunda origem”. Neste contexto, a jornada do segundo herói que dá nome à série fica quase em segundo plano. Bucky Barnes (Sebastian Stan) surge na produção com um caminho próprio: a busca de reparar o mal que causou em seus dias como assassino da HIDRA. Porém, assim que se junta a Sam, suas questões ficam de lado quase completamente até serem retomadas no episódio final.

Isso não significa que Bucky está apagado na série. Sua dinâmica com Sam é um dos pontos altos da trama, justamente pela forma como evolui. Esperada como uma homenagem a filmes do tipo buddy cop - em que dois parceiros completamente diferentes precisam se unir para resolver um caso policial - essa relação vai além e aos poucos abandona o caráter “rivais que se aturam” para maturar em uma parceria legítima, em que cada um se importa com as dores e traumas do outro.

Por outro lado, há caminhos que eles precisam trilhar separadamente. Se Bucky precisa lidar com Zemo (Daniel Brühl), que usa cada momento de seu retorno para trazer dúvidas sobre sua regeneração, Sam acaba enfrentando todo o resto. O surgimento de um novo Capitão América na figura de John Walker (Wyatt Russell), os atentados dos Apátridas, e até o retorno de Batroc (Georges St-Pierre) contribuem de alguma forma para fazer com que o personagem de Anthony Mackie decida seus próximos passos. É aí que a produção encontra suas maiores qualidades e também seus problemas.

Juntos, os Apátridas e John Walker promovem uma válida discussão sobre como o conceito de justiça vai além do maniqueísmo simplista de “bem e mal”, o que adiciona uma camada social que abre espaço para que o MCU discuta temas como crise de refugiados e intervencionismo. O grupo, que dá uma nova versão a um vilão pouco utilizado nos quadrinhos, levanta questionamentos importantes sobre as consequências de Vingadores: Ultimato.

Se Homem-Aranha: Longe de Casa usa o retorno das vítimas do estalo como piada, os Apátridas mostram as consequências mundiais da volta de bilhões de pessoas. E o faz de forma madura, apontando o dedo para a ineficiência de governos que deixam pessoas na miséria por burocracia ou desinteresse.

John Walker, por sua vez, surge como um espelho sombrio para Bucky Barnes - e para o próprio Capitão América. Veterano condecorado, o vigilante é atormentado por seu passado na guerra, onde em suas palavras fez coisas “longe de estarem certas”. Mesmo com boas intenções, sua caminhada enfatiza os perigos de contar com a sorte na hora de dar poderes a alguém. No melhor dos casos há pessoas como Steve Rogers, que colocam o altruísmo acima de tudo, e no pior há Walker, que não pensa duas vezes em manchar um legado em busca de vingança egoísta.

Existe uma intenção clara de manter a série instigante através de eventos frenéticos, mas a série falha ao não entrelaçar os acontecimentos de maneira suficientemente interessante. A forma como esses temas são apresentados não dá chance para que eles se desenvolvam, tornando a discussão apressada e até rasa. Nesses momentos, o roteiro corre como se o público estivesse acompanhando apenas por causa das cenas de porrada e referências. A porradaria é sempre bem-vinda, claro, mas uma história desse calibre exige um equilíbrio maior para não desperdiçar os debates que levanta.

Essa falta de substância fica clara principalmente quando o roteiro acerta. A participação de Isaiah Bradley (Carl Lumbly) amplia o debate racial que a série havia sugerido em momentos como a recusa de empréstimo no banco e a abordagem policial motivada simplesmente pela cor da pele. Pouco celebrado nos quadrinhos, Bradley engrandece a série na medida em que faz com que Sam - e o público - reflitam sobre como a sociedade e a história teimam em castigar e apagar vidas inteiras.

Cheio de peso e significado, esse pedaço da trama enfatiza quase tudo o que Falcão e o Soldado Invernal tem de melhor, com um texto afiado, boas atuações, e a calma para desenvolver o tópico com o respeito que ele merece. O outro acerto da série que fica fora deste contexto - e de modo justo, claro - são as cenas de ação, que também fazem bonito ao longo da temporada.

Após abrir com um episódio recheado de grandes sequências de ação tanto do Falcão quanto do Soldado Invernal, a série investe um bom tempo em uma porradaria que não deve em nada para os filmes do Capitão América - tidos por muitos como o ponto alto da ação no MCU. Com coreografias caprichadas que extraem o melhor de heróis e vilões, esse é um quesito que nunca deixa a desejar ao longo da temporada.

Entre erros e acertos, Falcão e o Soldado Invernal é um passo interessante para o Universo Marvel. Ao aprofundar as complexidades de heróis e vilões, a produção expande seus limites e honra a velha tradição da Marvel em usar quadrinhos para refletir sobre questões do mundo real. Mesmo que de uma forma menos aprofundada quanto poderia, essa nova direção aponta rumos interessantes para o núcleo do Capitão América.

Após uma jornada franca, cheia de altos e baixos, fica a apresentação de um novo Sam Wilson, que correspondeu às expectativas e sustentou uma história interessante o suficiente para suprir a lacuna de uma figura tão importante. Com vocação para ouvir diferentes vozes e travar batalhas que nenhum outro herói se atreveu - até o momento -, a nova origem do herói se justifica perante um universo em plena expansão.

Nota do Crítico
Ótimo