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Crítica

Fahrenheit 451 | Crítica

HBO faz serviço morno ao tentar modernizar um clássico atemporal

18.05.2018, às 16H53.
Atualizada em 18.05.2018, ÀS 18H03

Quando se trata de séries de TV, a HBO é uma das líderes absolutas em entregar produções memoráveis e de qualidade. Já com os filmes, as coisas são diferentes: a divisão de longas da emissora está em ativa desde os anos 1980 mas são poucos os trabalhos que se destacam, ainda que sejam bem produzidos e com bons atores associados. A nova adaptação de Fahrenheit 451, obra clássica de Ray Bradbury, parecia ser o grande blockbuster do canal que mudaria isso, mas infelizmente é mais um exemplo de potencial desperdiçado.

O romance, inicialmente publicado na década pós-guerra de 1950, apresenta um mundo onde a leitura foi criminalizada, o governo controla os meios de informação e todos os livros são caçados por bombeiros e queimados a 232°C (ou 451°F, que dá o nome da obra) - fortemente inspirado pelo controle intelectual do regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse universo, livros são comparados a drogas: ler é uma perversão e a reflexão é o caminho certeiro para a insanidade.

A trama acompanha Guy Montag - vivido por Michael B. Jordan (Pantera Negra, Creed) - um dos tais bombeiros que passa a questionar sua realidade e a profissão após entrar em contato com a resistência, que busca se rebelar contra o autoritarismo e devolver a leitura para libertar o mundo.Considerando a base histórica e contexto atual, Fahrenheit 451 é a história perfeita para os dias atuais, onde manipulação, controle dos meios de comunicação e notícias falsas são assuntos debatidos a todo momento.

O problema é quando a produção se empolga em trazer a trama para o contexto moderno, trocando o ceticismo em relação à televisão do texto original pelas redes sociais: ao invés da população ser apenas "informada" pela TV do governo, a sociedade é obcecada por intensas transmissões ao vivo por parte do Estado, reagindo à glorificação da violência estatal e brutalidade policial com emojis e curtidas em um chat em tempo real. São elementos tirados direto da vida real, sim, mas o exagero com que são mostrados parecem datar o que, em sua essência, é uma obra atemporal.

O roteiro do também-diretor Ramin Bahrani frequentemente força a barra nessa recontextualização. Frases icônicas do clássico, como Montag descrevendo o prazer em queimar os livros, são recolocadas como bordões que o personagem de Michael B. Jordan solta para sua comunidade de fãs na internet, que ele cativa como se fosse um influenciador. O longa até tenta relacionar os crimes de um governo autoritário com o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, colocando os bombeiros "para queimar os livros pela América" em alusão à frase de campanha do político, mas o resultado apenas envergonha como uma tentativa da HBO de se enturmar com o público jovem e militante.

A única atualização pertinente diz respeito a reconhecer a popularização dos livros digitais, cujo compartilhamento é configurando como um crime praticado pela resistência hacker - ainda que menos intenso do que obras físicas. Ainda assim é uma discussão de formato que não é pertinente: independente da relevância, queimar um livro sempre representará a morte do conhecimento.

Fogo Apagado

Como é de costume, as produções da emissora atraem grandes nomes para o elenco: a dupla principal é composta por B. Jordan como Montag e Michael Shannon (Homem de Aço, A Forma da Água) como seu mentor Beatty. São dois nomes de peso, com o primeiro em alta pela sua excelente performance como Erik Killmonger em Pantera Negra. Já em Fahrenheit 451, o ator não vai muito além do mediano com uma atuação morna e pouco expressiva para o tom dramático do texto. Em contrapartida, Shannon rouba os holofotes ao interpretar com naturalidade um personagem que constantemente alterna entre figura paterna, exigente mentor e homem perturbado.

A estética também é algo para se admirar. A produção mirou no estilo neo-noir popularizado por Drive (2011), de Nicolas Winding Refn, para mostrar que nem banhos de neon e tecnologia avançada são capazes de combater a escuridão e sensação de solidão de um mundo problemático. Ainda que renda belíssimas cenas em vermelho e azul, o filme constantemente exagera na parte da escuridão para criar quadros onde é impossível distinguir o que está acontecendo em meio às sombras. É um problema, sim, mas dificilmente um exclusivo da adaptação, e sim da televisão em geral.

É notável que a HBO também pense que Fahrenheit 451 é uma das obras mais relevantes para a atualidade, ao lado das distopias de Margaret Atwood, Aldous Huxley e George Orwell. O conto de Bradbury serve tanto como alerta para a ascensão do autoritarismo como um lembrete da relevância de arte, cultura e reflexão na sociedade - e esses são temas que nunca perderão a importância.

O mesmo não pode ser dito do telefilme, considerando que coloca um prazo de validade no próprio roteiro ao incorporar a essência à acontecimentos recentes ao invés de mostrar como os problemas e discussões do clássico são atemporais. No fim, Fahrenheit 451 é mais um exemplo de longa da HBO: agradável de se assistir, interessante pela abordagem, elenco e investimento, mas pouco memorável.

Fahrenheit 451 vai ao ar pela HBO no dia 19 de maio, às 22h. O filme também estará disponível no serviço de streaming HBO Go.

Nota do Crítico
Regular