Se formos considerar os títulos de língua espanhola que se destacam na Netflix, quase todos se baseiam na mesma premissa: um crime não resolvido. Desejo Sombrio tem como "primas" pelo menos três títulos; Toy Boy, Quem Matou Sara e Elite. Em torno de muito erotismo e exageros textuais, está a investigação de um crime, que sempre tem seus elementos e dinâmicas compartilhados entre si. Há sempre o suspeito óbvio, a polícia compenetrada, os parentes da vítima que escondem segredos e uma família rica desajustada. É quase como se fosse um subgênero planejado, que, devemos admitir, tem funcionado.
Dentre todas essas produções citadas aqui, Desejo Sombrio foi a mais surpreendente. A primeira temporada da série soube organizar seu argumento, focando na toxicidade das relações, sem esquecer de manter o suspense em pauta e nem de provocar seus espectadores com sexo e reviravoltas. Há momentos inspirados no texto, com Alma (Maite Perroni) divagando sobre como homens e mulheres lidam com a paixão e a dominação; principalmente quando a narrativa vai se aproximando do final e somos confrontados com uma resolução para o mistério que é mais triste que qualquer outra saída mirabolante.
Contudo, quando toma a decisão de retornar para uma segunda temporada, a série se coloca numa cilada que nós já sabemos qual é. Um novo mistério é providenciado, um novo "quem matou" nos persegue pelos episódios; e até aí tudo bem. O mais importante dentro da estrutura de Desejo Sombrio era o que os roteiristas cavavam em torno desse mistério. Maite Perroni, estrela da série, provavelmente teve um papel importante na inspiração para esses novos episódios. Contudo, a preocupação em dar à Alma uma condução emocional, acabou afetando a produção em outros aspectos. Essa é uma temporada menos erótica e mais investigativa. Infelizmente, também é a que mais permanece na superfície.
Alma começa os novos episódios tentando lidar com os desdobramentos psicológicos da relação com Darío (Alejandro Speitzer). Na protagonista reside o acerto maior dessa temporada final. Alma busca terapia, busca se entender com a filha, entra num grupo de apoio e o texto, nesses momentos, nos faz retornar ao bom desenvolvimento da primeira temporada. É claro que Darío reaparece e junto com ele, mais intimidação. Na noite de despedida de solteira de sua então noiva, Julieta (Ariana Saveedra), todos os personagens convergem no topo do edifício onde acontece a festa. Julieta é assassinada e começa a saga para descobrir quem cometeu o crime.
Dois Daríos
Ao passo em que a temporada avança, vamos começando a entender que todo o esforço para convencer o espectador a se importar com o mistério vai deixando todo o resto em estado de negligência. De fato, tudo que eles precisavam dizer sobre relações tóxicas já foi dito na temporada anterior e nada do que vimos nesse segundo ano evoluiu com o discurso. Talvez por terem uma verdadeira noção disso, os roteiristas tomaram a decisão de justificar o comportamento de Darío e começaram a voltar ao passado, inserindo na trama sua mãe adotiva (Lys, vivida por Catherine Siachoque) e situando essa outra relação tóxica no quadro geral. Não é uma manobra condenável, mas era evidente que estavam usando isso para transformar a nova personagem numa suspeita.
Em narrativas como a de Desejo Sombrio, o maior problema é o perigo de um final "feliz". Darío era um personagem cheio de apelo sexual, uma espécie de Christian Grey latino, típico do imaginário coletivo. Mesmo que a história desse ano fosse capenga, o final definitivo da série precisava honrar com tudo que foi proposto desde o começo. Poderíamos perdoar a narrativa morosa de Zoe (Regina Pavón) e até o fato de Esteban (Erik Hayser) continuar sendo só uma muleta. Poderíamos perdoar quase tudo, desde que Alma e Darío tivessem o destino mais coerente com o papel de cada um nessa trama.
No meio desse rocambole que foi a morte de Julieta, os roteiristas apareceram com a insinuação de que havia "outro Darío" andando por aí. Embora a possibilidade de um irmão gêmeo surgido do nada ser absolutamente brega, essa foi a forma que o texto encontrou de dar alguma esperança para Alma. Ainda incapaz de renunciar ao desejo por seu algoz, ela se apega a esse enredo com unhas e dentes, inclusive salvando-o de maiores desastres. Foi com extremo alívio que nos deparamos com a evidência mais pura de todas: Darío nunca mudaria, por ninguém; e continuaria colonizando almas por onde quer que passasse. O nome da personagem ser Alma, aliás, sempre foi emblemático. Ela entrega a própria para o "demônio", e ele a suga sem nenhuma cerimônia.
O problema dessa "surpresa" é evidente: Alejandro não tem escopo dramático para fazer o twist funcionar e joga toda a responsabilidade por isso em Maite, que dá o melhor para tornar "reais" as angústias da personagem. É Maite, unicamente, quem segura de pé os episódios pouco inspirados desse ano final. Oscilando entre o tesão e o medo, ela faz de Alma uma personagem ativa, que enfrenta a própria fraqueza e que não fecha os olhos para evidências. Ela não se comporta como vítima, embora seja uma. De fato, em determinado ponto da história começamos a desconfiar que ela só está tão empenhada em obter respostas porque tem uma esperança, mesmo que mínima, de que tenha o motivo derradeiro para a verdadeira renúncia.
Assim, Desejo Sombrio entrega um final justo e correto. Se os eventos do último episódio tivessem sido encaixados no final do primeiro ano, os envolvidos teriam produzido uma minissérie das mais fortes do mercado. Ainda é possível entender que uma história de toxicidade precisa de recaídas para ser verossímil. No fim das contas, nada era sobre quem matou Julieta e sim sobre como se fez luz na escuridão do desejo, provocando a retomada de consciências e ressuscitando Almas.