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Séries e TV

Crítica

Bel-Air saúda nostalgia de Um Maluco no Pedaço com trama coesa e cativante

Reboot da comédia noventista explora dramaticidade da série original

30.05.2022, às 10H51.

Um dos personagens icônicos da TV na última década, Will, também conhecido como Fresh Prince, é um jovem descolado e bem-humorado, que colore qualquer ambiente que esteja. Em uma segunda olhada, no entanto, sua figura também trazia traumas discutidos durante toda a série Um Maluco no Pedaço. Foi baseado nessa perspectiva mais dramática que Will Smith - que viveu o personagem original - criou o reboot Bel-Air, trazendo o protagonista para os dias atuais e dando mais foco à veia dramática do que para o humor. A nova versão, então, nasce como uma obra saudosista, respeitando a original, mas com sua própria identidade.

O reboot traz um Will jovem e muito talentoso (Jabari Banks), que só quer ser respeitado na Filadélfia. Como muitos prodígios de sua idade, o personagem tem muita personalidade mas pouca cabeça, e rapidamente se envolve em problemas: assim como vemos na abertura da série original, o jovem jogador de basquete arruma problemas com um gângster local e precisa ir morar com o tio rico, onde conhece um universo completamente novo. Como na versão original, não há como não simpatizar com Will nem como fugir da aversão inicial a Carlton Banks, desta vez vivido por Olly Sholotan. O primo rico retorna com seu ar de superioridade e atitudes esnobes importantes para seu processo de amadurecimento.

Assim como na vida real, dinheiro nenhum é o bastante para proteger a família Banks do racismo, que afeta cada membro de maneira diferente - e não são todos que conseguem perceber a situação em que se encontram. No caso de Will, os ataques são mais nítidos devido a sua origem pobre. Com a família do tio, a coisa é diferente. A produção fez questão de abordar as diversas camadas do racismo estrutural, mostrando, por exemplo, como mulheres negras em geral estão mais vulneráveis a ele. Enquanto isso, no área dos funcionários, ganhamos um Jeffrey (Jimmy Akingbola) que não tem mais uma posição de serviçal. O outrora mordomo engomadinho agora é retratado como o braço direito de Philip (Adrian Holmes) e, ao invés de assegurar a limpeza, cuida de alguns serviços sujos hora ou outra. Esse novo status dá ao mordomo força para muitas intervenções, inclusive confrontar o todo poderoso tio Phil.

Dessa vez, a participação da família gira em torno da candidatura de Philip para promotor de justiça, criando espaço para que Bel-Air provoque seu público alvo a refletir sobre como o dinheiro pode separar as pessoas pretas. Phil tem grandes chances de vencer com o voto do eleitorado negro, mas essas pessoas, em sua maioria pobres, não se reconhecem nele. Aliado a isso, a família que há muito vive na opulência não sabe mais como dialogar com a comunidade nem entender seus problemas. Essa angústia quase palpável corrói o personagem de Holmes, que exprime muito bem esses sentimentos.

A série ganha ainda mais adrenalina nos momentos em que Will é obrigado a confrontar a noite da briga com o traficante - que o fez ser preso. A produção retrata traumas e bloqueios de Will de forma magistral, com diálogos agitados em momentos memoráveis e convincentes. Não é possível passar ileso pelos episódios de Bel-Air. Seja pelo drama ou pela comédia, há sempre algum momento, um detalhe mirando em você, prestes a te devorar ou ser devorado.

Will Smith - o ator - não mentiu quando disse que essa seria uma versão mais dramática, e ela deve ser ainda mais impactante para quem criou algum tipo de afeto pela série original. Nesse sentido, não seria errado afirmar que temos alguns easters eggs, mas todos são encobertos por uma densa cortina dramática. Além do roteiro bem construído e boas atuações, o reboot repete outros acertos e apresenta estética visual impecável, com uma trilha sonora muito bem pensada.

Com muito mais recursos e sem a famosa platéia nos bastidores, Bel-Air chega para reforçar questões que Um Maluco no Pedaço já escancarava ao final dos anos 1990. Mesmo com um elenco não tão experiente - como na versão original, a produção se esforça para entregar um drama profundo sem sufocar o público com o tormento do elenco - a série entrega um ótimo resultado em seu primeiro ano, deixando um caminho seguro para um possível futuro. O que nos resta é torcer para que os boicotes a Will Smith após o tapa em Chris Rock, no Oscar 2022, não impeçam o retorno da obra nem tirem do elenco a oportunidade de amadurecer ainda mais.

Nota do Crítico
Ótimo