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Crítica

American Horror Story: Hotel | Crítica

Na primeira temporada sem Jessica Lange, a série evoca o passado das divas hollywoodianas com Lady Gaga

17.01.2016, às 10H26.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H24

No início de 2013, uma estudante canadense desaparecida foi encontrada morta, há vários dias, dentro da caixa d'água do Hotel Cecil, em Los Angeles. A morte da moça foi cercada de mistérios, piorados pelo perturbador vídeo de segurança do elevador, que capta o que parecem ser seus últimos momentos em vida. Essa notícia chegou até o criador de American Horror Story e acabou sendo o ponto de partida para a execução da quinta temporada da série.

No ano passado, Jessica Lange, a grande estrela do elenco da série, anunciou que Freak Show seria sua última temporada. Para substitui-la o produtor Ryan Murphy decidiu surpreender... Ninguém esperava que Lady Gaga fosse escolhida para protagonizar o ano cinco, ainda que toda a cultura que a envolve seja ligada ao bizarro. Doze episódios depois e com um Globo de Ouro de melhor atriz na conta, essa acabou se revelando uma decisão acertada.

Na trama da temporada, nada de mulheres encontradas em caixas d'água. O inferno de Elisa Lam serviu apenas como ponto de partida. Como sempre acontece com a série, um punhado de referências de cultura pop foram distribuídos por uma trama curiosa: morrer pode significar renascer em uma inesperada transformação. O Hotel Cortez é o cenário macabro que resguarda décadas de crimes e desaparecimentos. Nele, estão escondidos os segredos em torno de uma nova onda de assassinatos que a imprensa já chama de Crimes dos Dez Mandamentos.

Check In

American Horror Story sempre trabalha com uma quantidade grande de alegorias e suas tramas são extremamente fragmentadas entre os episódios. Depois de uma estreia de temporada das mais loucas que a série já fez, que adiantou o clima de horror da temporada, AHS mostrou que continua sem medo de atravessar certas fronteiras. No hotel, que só recebe prostitutas, suicidas e viciados, a morte ronda como parte de sua história decadente. Esse é o paralelo definitivo deste ano... Aquele lugar por onde as pessoas, em teoria, apenas passariam, tem seus hóspedes definitivos.

O Cortez tem vários hóspedes cativos invisíveis e apenas um palpável. A Condessa (Lady Gaga) é uma mulher elegante, misteriosa e mortal. Ela desfila pelos corredores ao lado do companheiro Donovan (Matt Bomer) e há a respeito dela uma bizarra particularidade: contaminada com o que ela chama de vírus, precisa de sangue humano para viver. O vampirismo, então, surgiu como escolhido para embasar a grande metáfora da temporada: existem formas sombrias e mórbidas de renascer. Através da Condessa e de todos os outros personagens centrais, vamos sendo conduzidos por um emaranhado de conceitualizações distorcidas de maternidade e nascimento. O vampiro, essa criatura que nasce a partir da morte, serve perfeitamente aos propósitos dos roteiristas, que conseguem sustentar essa premissa do início do fim.

Todos os coadjuvantes sofrem alguma grande ruptura num determinado ponto da vida e renascem para uma existência peculiar. Seja sendo transformado num vampiro, assumindo a transexualidade ou morrendo dentro dos domínios do hotel, o que, tal qual no primeiro ano, significa permanecer perambulando pelos corredores. E todas essas transformações estão ligadas à Condessa, uma espécie de catalisadora de mudanças, numa alusão a ela mesma, que revela-se, lá pelo meio da temporada (num episódio que invoca deliciosos mitos hollywoodianos da época do cinema mudo), uma mulher que quis apenas "ser especial".

Check Out

Hotel foi uma temporada com o clássico de AHS: muitas figuras reais se misturando com a ficção, e o jantar de Halloween cheio de serial killers icônicos da história americana foi um dos grandes momentos do ano. A mitologia da primeira temporada foi respeitada e vários elementos e personagens de outros anos convergiram na mesma dramaturgia. Também foi um ano de ousadias visuais polêmicas, como o Demônio do Vício estuprando dependentes e o massacre de professores, cometidos pelos próprios alunos de uma escola infantil. A segurança do show e seu formato crescem tanto, que não só temos os mesmos atores vivendo novos personagens a cada ano, como vimos os mesmos atores vivendo dois personagens diferentes numa mesma temporada... No caso de Sarah Paulson, num mesmo episódio.

Colocados em perspectiva, os detalhes são muitos e se conduzem pelas semanas de forma aparentemente descontrolada. Não é incomum ver espectadores dizerem que só começaram a gostar da temporada depois da metade. Isso é resultado do momento em que as peças começam a se juntar e o enredo ganha plenitude. Mais importante, é ter um olhar que abrace todo o investimento alegórico da série, que toma decisões baseadas no seu valor estético e conceitual.

O exemplo mais importante disso é justamente a personagem de Lady Gaga. Muito foi dito a respeito do valor de sua interpretação, sobretudo após a vitória no Globo de Ouro. À parte as técnicas de interpretação que ela demonstra dominar, é preciso reafirmar que a personagem criada para protagonizar a temporada parte de uma alegoria referencial cinematográfica. A Condessa Elizabeth fora uma atriz de cinema mudo antes de transformar-se, viveu com grandes ícones da arte e da moda e nenhuma outra atuação baseada nisso faria sentido se fosse visceral demais. Como vários imortais da cultura pop, ela tem um olhar austero, uma elegância incisiva, um olhar frio e um esnobismo inerente. Talvez se tivesse sido vivida por Jessica Lange, seguindo essas mesmas diretrizes, não houvesse questionamentos. Mas, por não ser uma atriz experiente e ser um ícone pop do desconforto e do atrevimento, Gaga foi constantemente acusada de estar "vivendo a si mesma".

Com um season finale escrito para amarrar todas as pontas soltas e ainda fazer um pouco mais de poesia involuntária, American Horror Story Hotel fez seu check out com apenas 12 episódios, evitando o décimo-terceiro andar, como fazem vários outros hotéis ao redor do mundo. Novamente, a próxima temporada é uma grande incógnita. O fato é que o Globo de Ouro mostrou mais uma vez o poder de Ryan Murphy, que continua sendo um dos showrunners mais bem sucedidos da TV americana.

Nota do Crítico
Excelente!