Séries e TV

Crítica

American Horror Stories começa bem, mas tropeça no caminho

Nova antologia de Ryan Murphy termina destruída pela própria megalomania

20.08.2021, às 09H30.

2021 é um ano importante para o trabalho de Ryan Murphy. Foi exatamente há dez anos atrás, em 2011, que American Horror Story estreou. A proposta de ter temporadas antológicas era ambiciosa e promissora, com astros do cinema topando embarcar na experiência, com atores e atrizes desconhecidas provando seu valor em um texto inteligente, emocional, provocativo, que dava ao gênero do horror boas doses de drama. Era um estilo de filmagem e narrativa diferentes de tudo que já tinha sido feito, resultando num estranhamento que logo levou ao absoluto sucesso.

No próximo dia 25 estreia a décima temporada da série e como uma espécie de “aquecimento”, o FX liberou os 7 episódios de American Horror Stories, uma expansão da produção, dessa vez com episódios antológicos, que não tem ligações uns com os outros. A iniciativa proporcionaria aos roteiristas contar histórias curtas, que não encontrariam escopo para muitas horas de duração, trazendo de volta aquela energia procedural de títulos como Arquivo X. À primeira vista, inclusive, a ideia parecia absolutamente libertadora.

Curiosamente, a pressa para contar histórias parece estar assolando Ryan Murphy há algum tempo. Os episódios da temporada regular de AHS tem tido cada vez menos minutos, saindo dos habituais 45, 50 minutos das temporadas iniciais e chegando a alarmantes 36 minutos em anos como os de Roanoke e 1984. A própria décima temporada, que está por vir, terá duas histórias no mesmo ano. O interessante é perceber como a questão não é só quantitativa, mas também atmosférica: tudo parece corrido um pouco além da conta, com um senso de urgência que superficializa tudo que estamos assistindo.

Contudo, o horror não seria exatamente uma celebração a tudo que é superficial? Em essência sim, claro. Mas, AHS nunca nos “educou” no nível da superfície. Com os anos, as longas cenas, com belos monólogos, foram desaparecendo e os supostos benefícios do dinamismo saíram engolindo tudo pela frente. Essa temporada de American Horror Stories foi a que estabeleceu tudo isso de uma vez por todas. Mais importante que contar uma bela história era entreter o espectador com o mínimo de raciocínio possível. Assim, os objetivos unicamente mercadológicos da produção ficaram antipaticamente evidentes, tornando a experiência muito menos divertida do que ela deveria ser.

American Horror PseudoStories

O episódio duplo que iniciou a temporada já parecia desconexo: num derivado criado para ter histórias isoladas, as duas primeiras eram conectadas. O retorno à Murder House foi interessante e embora a trama não tenha feito nada de novo, ela não cometeu excessos que poderiam ter prejudicado a mitologia já estabelecida. Era uma maneira de chamar os fãs da série e de agradar o grande público LGBTQI+, que sempre foi apoiador do programa. Não foi um começo sensacional, mas foi promissor.

O episódio seguinte manteve as expectativas razoáveis. "Drive In" falava sobre mensagens subliminares e transformava a plateia de um desses cinemas ao ar livre em zumbis assassinos. O episódio foi escrito por Manny Coto, que esteve envolvido na maior das histórias dessa temporada. Embora a pressa para encerrar tudo nos 40 minutos tenha desperdiçado potencial, esse acabou sendo, sem dúvida, o melhor episódio.

Na semana seguinte, "The Naughty List" enfraqueceu um pouco as coisas. Todos os episódios escritos por Coto tinham pequenas doses de abordagem sócio-cultural e sob esse aspecto foi bacana ver como funcionam as vidas de influencers que ficam milionários para, literalmente, se comportarem como idiotas. O episódio perdia, enfim, quando entrava na ação assassina, já que a escrita de Manny parecia se divertir muito mais na descrição de como eram irresponsáveis e egoístas os personagens da trama.

"Ba'al", também de Coto e em parceria com Ali Adler, foi um dos maiores da temporada e por isso, um pouco melhor destrinchado. Estrelado por Billie Lourd (uma das musas de Murphy), o episódio mantinha seu engajamento ao falar sobre como as mulheres podem ser sugadas pela maternidade até um lugar de flagelo, executado por um parceiro que deveria estar ali para ajudar e proteger. Por ter mais minutos de tela, esse episódio pareceu menos apressado; o que não aconteceu na semana seguinte. "Feral" é um episódio discreto, mas ao menos é inofensivo. Assim, ficou clara a fórmula adotada por Manny Coto: uma construção de terreno onde ele parece estar mais dedicado e uma sequência final cheia de gore para justificar o título da série.

American Horror Finale

Apesar dos tropeços, era impossível imaginar que Ryan Murphy e Brad Falchuk (que assumiram o roteiro do episódio final) fossem tão longe no season finale. "Game Over" começa com fãs da própria American Horror Story chegando até a Murder House e sendo assassinados pelos personagens que eles acreditavam ser apenas ficção. A metalinguagem inicial se salva pela piada feita com a declaração de Sarah Paulson de que detestou fazer Roanoke, mas já anuncia a inconsistência criativa acerca desse final. Na verdade, o teaser e a abertura (uma boa sacada dessa temporada foi ter preparado uma abertura diferente para cada episódio) explicam que a protagonista desenvolve um jogo chamado Escape from Murder House, o que justifica mais esse retorno despropositado.

Os próximos 40 minutos são um pesadelo para qualquer fã da série. O megalomaníaco projeto desse roteiro une alguns elementos da primeira temporada (como a volta de Dylan McDermott) com alguns elementos do primeiro episódio da nova antologia; e mistura tudo numa maçaroca de reviravoltas esdrúxulas que vão fazendo crescer uma sensação de pânico absoluto. Perto do final do episódio, quando a casa começa a ser queimada, a indignação nos invade como se estivéssemos sendo traídos por uma obra que não é mais apenas de seu criador, mas parte de uma corrente de paixões e defesas a quem Murphy deve tudo. Tudo isso para nos minutos finais vir o alívio, que embora fosse alívio era igualmente frustrante: era tudo só mais uma partida do jogo.

O que deveria soar como uma homenagem à dedicação dos fãs se tornou um deboche, um escárnio. O último episódio de American Horror Stories foi o maior exemplo até hoje do quanto a megalomania de Murphy pode ser sua ruína. Às vezes é preciso deixar uma criação descansar, deixar que ela exista em torno das próprias fronteiras. Ryan Murphy é um visionário, mas constantemente permite que más decisões narrativas sejam confundidas com ponto de vista.

American Horror Stories já foi renovada... a questão é saber se esse ponto de vista será aprimorado ou se continuará usando antolhos, incapaz de perceber o que está a volta e a quem deve o mínimo de respeito.

Nota do Crítico
Regular