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Crítica

13 Reasons Why - 3ª temporada

Terceira temporada da série da Netflix tenta resolver algumas imaturidades de seu discurso, mas acaba sempre entregue ao choque como recurso salvador

25.08.2019, às 20H26.
Atualizada em 14.05.2020, ÀS 18H28

13 Reasons Why chegou ao seu terceiro ano... Essa por si só já é uma afirmação inesperada.  A começar pelo título da antes minissérie, que estava diretamente conectado ao suicídio da protagonista. Uma vez esclarecidos seus motivos, a Netflix redimensionou suas intenções. Agora, a produção era sobre as treze pessoas que um dia já tinham sido motivos. Então, com uma segunda temporada que tentou expandir seu universo, mas frustrou ao repetir os mesmos erros da primeira, a série busca redenção em um terceiro ano focado naquele que talvez seja o principal “porquê”: o estupro.

O investimento num dos tópicos mais delicados da série era preocupante. O assunto é sempre relevante, mas 13 Reasons Why capengou terrivelmente no seu compromisso de levantar debates sobre esse tipo de polêmica. A história da primeira temporada – embora seja envolvente – esbarrava em “poréns” demais, fazendo dos males psicológicos sofridos por Hannah uma trajetória de derrota e vingança ao invés de uma história de ajuda e superação. De fato, seria difícil para qualquer roteirista contornar os problemas que uma trama como aquela poderia causar. A ideia das fitas era uma saída sedutora para um ato que interromperia o sofrimento dela, ao mesmo tempo em que incutiria sofrimento em outros. Ao contrário de ajudar pessoas que pensavam em se matar, a série acabava transformando a ideia num incrível roteiro de suspense, onde tudo que a suicida planeja funciona e se encaixa.

Após muitas reações negativas e estatísticas macabras, os produtores seguem tentando evitar mais danos. Um pouco antes da estreia da nova leva de episódios, a Netflix resolveu reeditar a sequência do suicídio e a terceira temporada veio com a proposta de melhorar ainda mais os resultados obtidos pelo que a segunda já tinha tentado fazer. A deliberação acerca do que seria essa nova empreitada resultou no investimento direto em Bryce (Justin Prentice), o jogador de futebol americano com um futuro perfeito e que vinha a ser também o estuprador da escola. Bryce sempre foi o vilão absoluto, sem alma, sem piedade, sem nuances. A segunda temporada, inclusive, reforçou todo esse maniqueísmo, quase como se ele não fosse uma pessoa de verdade. É claro que isso também era proposital - quem iria se preocupar em dar humanidade para um estuprador? Por isso a surpresa com o que se tornou a nova temporada: a maior polêmica dessa vez é até que ponto a série está certa em humanizar um criminoso tão vil.

Os 13 “Poréns”

Essa noção de “correção” surge em duas narrativas distintas. A primeira é essa mesmo, envolvendo Bryce e que começa a confundir o espectador já no começo. Esse personagem tão odioso e odiado de repente desaparece, logo é encontrado morto, e acompanhamos em flashbacks o que teria motivado seu assassinato. Nesses flashbacks nos deparamos com alguém que começa a buscar entender a gravidade dos próprios atos, como eles afetaram as pessoas ao redor e o que ele pode fazer para buscar alguma redenção. É uma iniciativa louvável que a série até então não tinha buscado, sobretudo porque eles queriam que o público fosse levado a entender o ato de Hannah a partir do quanto as pessoas tinham sido horríveis com ela. Mas, assim como acontece em toda a dramaturgia desde Os Sopranos, criminosos são constantemente retratados de forma pluridimensional. Bryce também poderia ser.

Aí, contudo, está a grande dificuldade de 13 Reasons Why. O texto precisava chocar para justificar o impacto do suicídio, mas, ao mesmo tempo, ao focar só no que os personagens tinham feito com Hannah, esqueceram do que ela poderia fazer por si mesma. A cilada era total. A protagonista não poderia se ajudar ou não haveria como contar aquela história, e todos ao seu redor precisavam ser os vilões. Porém, a segunda narrativa redentora dessa temporada, oferece a perspectiva certa. Tyler (Devin Druid) no ano passado quase se tornou um atirador, o que seria a repetição absoluta do erro em conectar a depressão, o medo e a violência aos atos de vingança. Agora, contudo, os roteiristas resolveram reverter o quadro, dando a Tyler o que não poderiam dar a Hannah: a chance de mostrar ao público (e a quem sofre com tais problemas) que há como se salvar.

A recuperação desse tipo de colocação é bastante válida, mas não serve para tirar a série do limbo onde se meteu. A nova personagem Ani (Grace Saif) não é nada carismática e entra na história tão abruptamente e com uma presença tão ostensiva que causa estranheza. Como nem vivia na cidade antes dos eventos primordiais, seus modos interpelativos, sua manipulação e sua intimidade com os outros personagens soam equivocados, um recurso para aproximar o público da estrutura do primeiro ano, quando também tínhamos uma menina narrando os eventos de passado e presente. Ani sabe de tudo, domina tudo, está envolvida em tudo e praticamente dita a sequência de acontecimentos. Em uma temporada com 13 episódios de absurdos 60 minutos cada um (em média), não demora muito para que toda a especulação fique bastante cansativa.

Fala-se da fotografia da série e de sua trilha, mas mudar paleta de cores para mostrar lembranças é mais velho que andar para frente. Estamos falando de uma série teen, então, trilha sonora apurada é só mais uma obrigação. Até The Vampire Diaries tinha. 13 Reasons Why virou uma produção que precisa ser calculada e avaliada para que saibamos o nível de desserviços que ela pode cometer. Ao seu final, por exemplo, a despeito de toda a imersão nas humanidades de Bryce, a série escolhe mais uma vez a vingança como saída principal, porque ela não sabe, de modo algum, como fisgar seu público sem precisar apelar para o choque. É por isso que ela precisa acabar... O estrago na primeira parte foi grande demais, nem 13 temporadas conseguiriam reverter.

Nota do Crítico
Regular