Um sentimento familiar vai se aproximando do espectador conforme os primeiros episódios de Chefe de Guerra se desenrolam na tela. A série do Apple TV+, ambientada no Havaí durante a virada do século XVII para o XIX, atira o público de paraquedas em um mundo dividido - há tantas famílias, tantos reis, quanto há ilhas no arquipélago havaiano, e elas vivem todas em conflito umas com as outras. Nas mãos dos roteiristas Thomas Pa’a Sibbett e Jason Momoa (que trabalharam juntos em Aquaman 2: O Reino Perdido), Chefe de Guerra também se divide narrativamente entre núcleos centrados nessas dinastias. O foco é em Kai’ana, o herdeiro rebelde também vivido por Momoa, mas logo fica claro que esta é uma história de coro, numa tradição que o criador-astro conhece muito bem. Ele foi Khal Drogo em Game of Thrones, afinal.
A nova série de Momoa talvez tenha ambições acadêmicas menos elevadas do que a fantasia adaptada dos livros de George R.R. Martin, como sugere uma cena introdutória que sente a necessidade de introduzir cada um dos centros geográficos e narrativos da história num estilo aula de história do ensino fundamental. Mas, passado isso, Chefe de Guerra se sente confortável para deixar de lado o didático e esticar os músculos de uma narrativa inspirada em fatos que tem tudo para ser tão épica e expansiva quanto a jornada dos personagens interconectados de GoT. E o investimento do Apple TV+ no título é claramente medido com vistas nessa comparação, porque poucas vezes se viu uma produção tão suntuosa na TV desde então.
Os dois primeiros episódios de Chefe de Guerra, dirigidos por Justin Chon (Pachinko), deitam e rolam nessa abundância de recursos. O design de produção de Jean-François Campeau (Anne with an E) e o figurino de Caroline Eselin (Moonlight) encontram luxo na autenticidade ao retratar a sociedade tribal do Havaí, construindo peças táteis a partir de fibras, fragmentos vegetais e animais que formavam o estilo de vida desse povo. Enquanto isso, a fotografia de filtro cristalino e proximidade persistente, assinada por Matthew Chuang (Querida Mamãe), faz belo dueto com a montagem dramática de Aaron Marshall (O Conto da Aia) e Ron Rosen (The Morning Show) para criar momentos de impacto inegável.
Nesse início, Chefe de Guerra se alimenta mesmo disso: momentos. Momoa se desfazendo de uma capa feita de penas, em câmera lenta, enquanto se prepara para a batalha; Temuera Morrison (intenso como o violento rei Kahekili, que recruta o protagonista para seu exército por meios duvidosos) respingado de sangue sob a iluminação laranja de um incêndio; a jovem Ka’ahumanu (Luciane Buchanan), muito antes de se tornar regente mítica dos primeiros anos do Havaí unificado, escondida em uma caverna úmida enquanto contempla um casamento arranjado. Há força simbólica aqui, que a equipe comandada por Chon luta bravamente para evocar diante das obrigações históricas e reverências culturais que poderiam tornar modorrenta essa história real gigantesca.
Não é o caso com a série do Apple TV+, ainda bem. Em seu melhor, Chefe de Guerra lembra a sensação mais emocionante de GoT: a de ver destinos distantes se movendo lentamente na direção de um encontro que pode mudar o curso do mundo que habitam. O segredo a partir daqui, como bem nos mostrou a série da HBO, é não decepcionar na hora de mostrar esses encontros - e Chefe de Guerra tem a vantagem de depender dos livros de história, e não dos livros de fantasia, para ditar o seu desfecho.
*Os três primeiros episódios de Chefe de Guerra já estão disponíveis no Apple TV+. Os capítulos subsequentes, de nove ao todo, serão lançados semanalmente - sempre às sextas-feiras.