Em 2004, o mundo teve a chance de conhecer as excentricidades e o temperamento do magnata Donald Trump, quando ele se tornou o apresentador do bem sucedido reality show O Aprendiz. 12 anos depois, essa mesma celebridade está na linha de frente da corrida presidencial dos Estados Unidos e não tem absolutamente nenhuma qualificação política para o cargo, tendo seu nome considerado apenas por conta de seus posicionamentos ultra conservadores. Os americanos, enfim, vivem uma era em que uma "personalidade da TV" chega perto do cargo de maior responsabilidade da nação. Algo está errado - algo tem que estar errado em Washington e BrainDead, a nova série da CBS, veio para dar essa resposta.
Premissa Cadente: Horror e Ciência Na Casa Branca
Embora o dia 06/06/16 sirva como catalisador do que virá a ser a trama de BrainDead, a série só estreou nos EUA no dia 13, abrindo seu episódio com notícias sobre a queda de um meteoro que rasgou o céu perante centenas de câmeras amadoras e caiu na Rússia (exatamente como aquele que foi registrado em 2013). A relação entre a cabalística data e a queda do meteoro não foi feita pelos personagens por enquanto, mas o roteiro nos informa imediatamente que as duas coisas estão ligadas e que serão a evidência ainda desconhecida de uma espécie de invasão alienígena de propriedades bastante curiosas.
BrainDead acompanha Laurel Healey (Mary Elizabeth Winstead), uma documentarista que tem horror ao legado político de sua família, mas que aceita trabalhar por algum tempo ao lado do irmão senador Luke (Danny Pinno) em troca de dinheiro para pagar seus financiamentos estudantis. O trabalho de Laurel é receber e ouvir queixas de eleitores potenciais, resolvendo problemas na medida do possível e garantindo a boa reputação do novo "chefe". O problema é que a moça chega até o congresso no exato momento em que uma grande crise orçamentária está acontecendo e uma guerra entre os partidos republicano e democrata coloca em risco os empregos de centenas de pessoas.
Laurel se dedica a fazer seu trabalho e atende a esposa de um engenheiro em seu primeiro dia. Ela afirma não reconhecer mais o marido, um dos responsáveis pelo translado do meteoro que caíra na Rússia. Laurel acaba descobrindo que o navio que transportava o meteoro foi autorizado em solo americano por Luke e que a equipe que fazia o transporte também se comportava de modo muito peculiar. Conforme vai investigando, ela começa a suspeitar do que o público já sabe: o meteoro liberou uma espécie alienígena parecida com as nossas formigas e uma vez em contato com o cérebro humano, provocam uma transformação de personalidade nos hospedeiros.
A fantasia desse aspecto dramatúrgico não intimida os criadores, que nomeiam os episódios como se fossem títulos de TCC. É mais um detalhe acerca do âmbito político da série, aquele que provoca uma quebra dos aspectos científicos e fantásticos da premissa. É esse aspecto político que faz com que a série seja reconhecível para o público que acompanhou The Good Wife durante seus sete anos. O talento de Robert e Michelle King para construir diálogos argumentativos sempre foi o que delegou ao trabalho deles uma segurança e polidez que fazia com que o produto final tivesse a cara da TV fechada, mesmo não vindo de lá. Por terem trabalhado anos lidando com o mundo da advocacia, que é extremamente parcial, esperava-se que BrainDead fosse fundo na discussão política contemporânea - parte tão essencial da proposta - e entregasse muita força em seu texto. Mas é aí que começam alguns dos problemas desse piloto.
Políticas do Alto do Muro: Como Ter Posicionamentos Genéricos Em Meio ao Caos
É quase como se a verdadeira profissão de Laurel (a de documentarista), servisse de diretriz para desenvolver o aspecto político do programa. Da primeira sequência até a última, há muitas cenas de telejornais sendo exibidas entre transições, como se quisessem não só estabelecer uma atmosfera crível, mas também traçar um painel do que o público precisava entender como estabelecido naquele universo: a crise partidária. Esse insistente olhar panorâmico sem dúvida nenhuma ajudou nessa polidez sobre a qual já falamos e BrainDead soa realmente muito bem produzida. Porém, nada poderia ser mais nocivo para uma dramaturgia sobre conflitos políticos do que ser imparcial.
Inspirada em filmes como Vampiros de Almas (1956) e Prova Final (1999) e flertando com a premissa pseudo-apocalíptica que está tão em vigência na TV atualmente, BrainDead não toma decisões ousadas na hora de contar sua invasão alienígena e todas as sequência envolvendo-a, embora corretas, não têm nada que já não tivesse sido feito em Arquivo X, por exemplo. O escape do clichê poderia ser nos efeitos dessa espécie de possessão, certamente. Uma vez infectadas, as pessoas desenvolveram uma devoção muito maior por tudo que as interessa, elas desenvolveram o que podemos chamar de extremismo (além de uma ou outra excentricidade típica desse tipo de trama). Assim, quando começam a infectar o congresso americano, as formiguinhas preparam um conflito que ganharia proporções incontornáveis.
O problema maior é que a série contradiz sua trama com um posicionamento político vago. Já há uma profunda estranheza na junção das cenas de horror versus política, mas como está estabelecido desde o começo que a invasão é uma metáfora para a notória liquefação dos cérebros que regem a atual política americana (e de outros lugares do mundo), somos levados a crer que as "formigas alienígenas" são só a ferramenta necessária para que os criadores destilem veneno e articulem posicionamentos que precisam ser, de acordo com a premissa, extremos. O que vimos no piloto, contudo, foi uma imparcialidade apática que esperamos ser apenas resultado de uma estreia que precisava usar seu tempo para apresentar personagens e subtramas.
Por fim, vamos esquecer por enquanto que BrainDead está sendo vendida como uma comédia e lhe dar uma chance de regular seus pólos. Ela ainda tem tempo de sobra para nos infectar com seu deboche.