A magia que cativa a audiência está presente desde a concepção das personagens do programa. São elas que transmitem credibilidade ao público, dando equilíbrio aos episódios. A principal, o agente especial Fox Mulder, personifica o mito do alquimista medieval. Este ícone une práticas científicas e místicas a fim de encontrar a pedra filosofal, a fórmula capaz de converter qualquer metal em ouro, e que, num sentido mais espiritual, seria a resposta para a transcendência humana. A alquimia era uma prática mística que utilizava tanto o ocultismo quanto a ciência. Sendo eclética, não hesitava em empregar diferentes caminhos em busca das respostas.
Dana Scully, por sua vez, é a personificação do ceticismo. Ela precisa de provas concretas para crer no paranormal. E, mesmo quando as tem, recusa-se a enxergar a verdade. A personagem encarna o mito do cientista, ou seja, o pensamento lógico-racional, que, desde sua sistematização, na Grécia do Séc VII a. C., vem impondo o método científico como o único válido e rechaça toda e qualquer crença mística.
Juntos, os agentes Mulder e Scully retratam o arquétipo do Par Supremo: macho e fêmea, dia e noite, calor e frio, sol e lua, bem e mal, credulidade e ceticismo. Em Arquivo X, é essa paridade que garante o equilíbrio da trama; o bem, representado pelos agentes, e o mal, personificado pelos inimigos da dupla, são opostos arquetípicos que conferem harmonia à série.
A tensão se faz presente, porque os opostos nunca se tocam totalmente. Mulder e Scully jamais se unem e a profundidade de seu relacionamento permanece um mistério. O mesmo se dá com o bem e o mal: os agentes nunca solucionam os casos por completo, o mal nunca é aniquilado por completo. A credulidade de Mulder não anula o ceticismo de Scully, e o contrário parece igualmente impossível.
Nunca Mais
Amargurado com a perda da esposa e dos filhos, Jerse mandara tatuar uma garota em seu braço direito, junto à inscrição Nunca Mais. A imagem representa um arquétipo de iniciação que marca transições como casamento, nascimento e morte. Para algumas sociedades primitivas, muitos ritos marcam o fim da infância e o início da fase adulta. Realizam-se, entre outros, por meio de jejum, circuncisão, dente arrancado e o que nos interessa agora, tatuagem.
A anima pode se manifestar de forma positiva ou negativa. No último caso, acarreta pensamentos depressivos, apatia, medo e até mesmo suicídio. A de Ed influencia-o negativamente, fazendo-o odiar as mulheres.
Como símbolo da medicina, a serpente evidentemente relaciona-se à Scully, mas, na qualidade de animal telúrico, também representa o aprisionamento à terra, que aqui se traduz na fixação da agente à figura paterna. Por fim, é a marca de sua transcendência de uma vida linear, sem expectativas, para uma fase “circular”, o renascimento para novas perspectivas.
Curiosamente, a urobóros é o símbolo de Millennium, série também criada por Chris Carter, o produtor de Arquivo X.
A sociedade moderna perdeu o vínculo com crenças que nos guiam e conferem significado à vida. Em Nunca Mais, ambas as personagens sentem-se desorientadas. Ed perdeu a fé no casamento. Não há crença que possa ajudá-lo ou mitologia a que se apegar. Daí, ele cria seu próprio ritual. Scully, por sua vez, deixa-se levar pela crença de Ed e colabora para a ressurgimento de um ritual primitivo na sociedade civilizada. Mais uma vez, em Arquivo X, um arquétipo ganha nova representação e cativa os telespectadores.
No oitavo ano da série, Fox Mulder, o alquimista que une a ciência e o misticismo, situa-se num plano mais elevado, ou melhor, flutua com a verdade. Pode-se dizer que encontrou a pedra filosofal, sua transcendência, as revelações da vida ou a verdade alienígena.
Enquanto o abduzido Mulder sofre nas mãos dos alienígenas, Scully faz o impossível para encontrá-lo. O impossível mesmo, pois agora ela toma as vezes de seu parceiro e assume o arquétipo do alquimista. Exatamente. A médica agora crê no paranormal. Após sete anos de “não acredito nem vendo” e “não acredito que estou vendo”, a agente cética e racional reconhece que a verdade está lá fora. Afinal, acreditar é a única forma de encontrar seu parceiro.
Enquanto aguardamos a volta de Mulder – ele vai voltar!&qt;& – a série continua a utilizar os arquétipos que sempre lhe deram suporte. A própria decisão de David Duchoviny em se afastar de Arquivos X serviu para aguçar ainda mais a curiosidade dos telespectadores. Transposta para a telinha como a abdução de sua personagem, o agente Mulder, a ausência do astro acabou resultando numa excelente sacada, bastante de acordo com o espírito da série. Em outras palavras, Chris Carter continua pondo em prática a mesma fórmula, que os anos de sucesso provam que funciona.