A boa (não ótima) recepção do público perante o esperado revival de Sex And The City não impediu que uma das maiores críticas ao resultado final tenha sido a falta do sexo na receita do título. Depois de tantos anos fora do ar e de uma imensa lista de consertos necessários nas questões de diversidade, a primeira temporada acabaria sendo usada para assentar as coisas. Usar um luto como catalisador também acabou distanciando as personagens do espírito da série-mãe. Foi acertado (o luto foi algo que elas nunca haviam experimentado daquela maneira), mas acabou servindo de munição para o descrédito. Sem sexo, sem riso, sem Big, sem Samantha... O que tínhamos, então?
Carrie, Miranda (Cynthia Nixon) e Charlote (Kristin Davis) enfrentaram uma grande resistência quando as transformações planejadas para elas foram reveladas ao público. Carrie passou pelo luto, Miranda terminou o casamento com o “sagrado” Steve (David Eigenberg) para viver uma relação bissexual e Charlote, por mais que tenha sido a única a se manter numa esfera menos drástica, enfrentou constantemente a possibilidade de soar cansativa na sua eterna balança de conservadorismo versus progressismo. Para uma grande parte da audiência, tudo isso pode significar descaracterização. Para uma outra parte, isso também pode ser chamado de amadurecimento.
A partir do momento em que essas transformações foram estabelecidas, era natural que uma segunda temporada retomasse uma parte da essência jocosa pelo qual a série ficou conhecida no passado. Miranda já superou o casamento com Steve, Carrie já está transando de novo, Charlotte já se conformou com o que não pode mudar... O showrunner Michael Patrick King pôde começar, finalmente, a brincar com novas relações e com as novas possibilidades. É fato que a narração em off de Carrie (que marcou a TV mundial inserindo crônica dentro da dramaturgia) ainda faz falta. Ela ajudava a costurar as ideias, a estabelecer conexões, a recortar melhor os objetivos do episódio e também a entrar dentro das cabeças dos personagens. Mas, ainda assim foi possível encontrar certo equilíbrio entre o antes e o agora.
Quando a nova temporada começa, a primeira sequência revela o status de todos os casais (de antigos e novos personagens), reforçando que a era do ajuste acabou e agora chegou o momento de recolocar o “sex” in the city. Nesse ponto, voltamos à questão maior, que rege 90% dos fãs da série original: como falar de sexo sem Samantha? Samantha tinha a função de viver o sexo sem pressões e ansiedades interpessoais; posição que agora, infelizmente, permanece desocupada. Por isso, na hora de voltar a explorar o tópico, fica a sensação de incompletude. No episódio dois da nova temporada de And Just Like That..., quando Carrie enfrenta problemas para escrever um comercial sobre produtos vaginais, por mais de uma vez nos perguntamos: Por que ela não liga para a Samantha? Ela saberia o que dizer sobre isso. Talvez por saberem que a volta da personagem seria o centro das atenções, os roteiristas praticamente fugiram de mencioná-la nesse começo. Para aqueles que esperavam que Carrie fosse contar como foi o reencontro entre elas (gancho da temporada anterior), a frustração foi grande.
Jokes in the City
Estar no elenco do universo de Sex And The City significa passar por muitos perrengues. Os novos episódios são cheios de situações jocosas. E é comum encontrar quem veja o ridículo e o constrangimento como algo que depõe contra a natureza da série, quando, na verdade, essas são bases essenciais não só de Sex And the City, mas de qualquer comédia que se preze como tal. Lá nos anos 90, quando Carrie aparecia na abertura andando confiante nas ruas de Nova York com sua roupa de bailarina, era proposital que um ônibus lhe passasse espirrando um monte de água suja. A vergonha e o desconforto da vida contemporânea são inerentes à existência, seja com 30 ou com 60 anos.
Além disso, a série promove ainda com mais força a descentralização dos enredos nas três protagonistas. As vidas luxuosas dos amigos ricos de cada uma tiveram aumento de tempo de tela e outras camadas de conflito. É como se as conversas levantadas pela primeira temporada tivessem sido ouvidas. Che (Sara Ramirez), por exemplo, parece mais leve, mais vulnerável; do mesmo modo como a série parece ter também tomado a liberdade de tirar sarro de si (seja ao colocar os ricos em situações de escárnio ou ao falar de privilégio branco nas letras de música compostas pela filha de Charlote). Há um notório abraço ao absurdo daquela vida abastada e desinfetada; essencial para manter a série a salvo da alienação.
Acima de tudo isso ainda está o prazer de acompanhar as vidas daquelas personagens. A série tem uma capacidade incrível de manter o resultado final sempre apoiado numa linha tênue entre o terno e o ridículo; e toda vez que eles se aproximam mais da essência da original, alcançam níveis de catarse que acabam justificando as estranhezas do caminho até aqui. Sobretudo no primeiro episódio desse segundo ano de And Just Like That..., a comédia, os constrangimentos, o sexo, a moda... tudo parecia deliciosamente familiar. O Met Gala, o vestido de noiva do pássaro na cabeça, os acessórios sexuais, as dúvidas existencialistas (na superfície de uma unha muito bem feita)... Era como se Nova York fosse mágica de novo.
And Just Like That... o revival se tornou Sex And The City.