Produzir uma atração televisiva é sempre uma tarefa delicada. Dirigir-se a um público extremamente diversificado, das mais variadas culturas, credos e faixas etárias, exige um cuidado especial para evitar mensagens que possam ferir qualquer parcela dessa audiência tão heterogênea – o que por vezes se revela bastante difícil.
Em alguns casos, porém, os deslizes nessa missão acarretaram mais do que simples “narizes torcidos” por parte da plateia. Várias séries da TV internacional chegaram a ter episódios censurados por conterem elementos considerados nocivos ou ofensivos a determinados segmentos da sociedade.
Relembre, a seguir, exemplos de programas que pagaram caro por “sair da linha” – com razões justas ou não:
Friends
Embora seja criticada hoje em dia pelo teor preconceituoso de algumas piadas (característica comum às produções dos anos 90), Friends já gerou polêmica no passado exatamente pelo motivo oposto.
Em 1996, ainda em sua segunda temporada, a sitcom foi pioneira em exibir um casamento entre duas mulheres no prime time americano – no caso, as personagens Carol (Jane Sibbet), ex-esposa de Ross (David Schwimmer), e sua namorada Susan (Jessica Hecht).
Apropriadamente intitulado “Aquele com o Casamento Lésbico”, o capítulo chegou a ter sua exibição vetada pelas emissoras KJAC e WLIO, respectivas afiliadas da NBC no Texas e em Ohio.
“Não acreditamos que o episódio de Friends atenda aos padrões de bom gosto vigentes em nossa comunidade”, chegou a dizer publicamente o gerente da KJAC, Ron Kelly, em defesa do veto.
Arquivo-X
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No mesmo ano, foi a vez de o sci-fi estrelado por David Duchovny e Gillian Anderson escandalizar o público norte-americano com o controverso episódio “Home” (“Lar”, em tradução literal).
A narrativa começa quando três homens deformados enterram vivo um bebê recém-nascido, em um campo próximo à fazenda onde vivem. Quando o corpo é encontrado, os agentes Mulder (Duchovny) e Scully (Anderson) são chamados para investigar o caso.
Suas averiguações os levam até a família Peacock, cujos descendentes se reproduzem incestuosamente entre si por gerações. A criança enterrada fora parida pela matriarca do clã, que se deitava com os próprios filhos e se desfazia sucessivamente, de forma idêntica, dos frutos dessas relações.
“Home” chocou tanto a audiência que teve sua reprise proibida pela Fox por três anos. O veto só caiu em outubro de 1999, em pleno Halloween, com uma campanha de marketing justamente em cima da polêmica gerada pela exibição original.
Seinfeld
A aclamada sitcom encontrava-se em sua temporada final quando exibiu o episódio “The Puerto Rican Day”, que mostrava os personagens centrais enfrentando um congestionamento causado por um desfile do Dia de Porto Rico.
Em certo momento da história, Kramer (Michael Richards) incendeia acidentalmente uma bandeira do país homenageado – e, de quebra, pisoteia-a sem piedade na tentativa de apagar o fogo, provocando a revolta da multidão, numa situação pretensamente cômica.
As reações da comunidade representada, é claro, não foram nada positivas. O então presidente da Coalizão Nacional Porto-Riquenha, Manuel Mirabal, classificou o entrecho de Seinfeld como um “insulto inconcebível”, enquanto o presidente do distrito porto-riquenho do Bronx, Fernando Ferrer, criticou a produção da série por ultrapassar “a linha tênue entre o humor e a intolerância”.
Diante de tamanha repercussão, a NBC pediu desculpas pela dramatização infeliz e retirou o episódio de sua programação – embora tenha voltado a disponibilizá-lo recentemente no streaming.
South Park
Um dos casos mais atuais de veto na TV norte-americana envolve “Got a Nut”, episódio da série animada que satirizava a figura do ativista Charlie Kirk.
O capítulo mostra Cartman e Clyde aderindo à militância de extrema direita e disputando um troféu intitulado “Prêmio Charlie Kirk para Jovens Mestres do Debate”. Ele foi ao ar originalmente em 6 de agosto deste ano, e estava programado para ser reprisado na mesma noite em que Kirk foi morto – o que, por razões óbvias, acabou não acontecendo.
De acordo com o portal TVLine, o Comedy Central pretende manter “Got a Nut” por um bom tempo fora de sua programação.
Peppa Pig
Em 2012, o episódio “Senhora Pernas Finas” – produzido dez anos antes – teve sua exibição proibida pela TV australiana, por mostrar Peppa e sua família interagindo de forma amigável com uma aranha.
A mensagem do episódio foi interpretada como nociva à audiência infantil do país, que abriga algumas das espécies de aracnídeos mais venenosas do mundo – e costuma ter altos índices de pessoas hospitalizadas por picadas de aranhas peçonhentas.
Pokémon
Pokémon - episódio proibido
Adorada por várias gerações, a animação japonesa foi alvo de uma intensa polêmica em seu país natal, após a exibição do episódio “Soldado Elétrico Porygon”, que teria causado reações pesadas – como vômito, convulsões epilépticas e até cegueira temporária – em parte das crianças que assistiam.
Foram necessários meses de investigação até se chegar à conclusão de que o culpado desses sintomas eram os efeitos estroboscópios usados numa sequência específica, em que o monstrinho Pikachu emitia raios piscantes em vermelho e azul contra seus inimigos.
Como era de se esperar, “Soldado Elétrico Porygon” nunca mais foi reprisado pela TV Tokyo – emissora original do anime, que ainda suspendeu a exibição da série por quatro longos meses até que a poeira baixasse.
Bluey
A inocente animação australiana também foi alvo de uma polêmica, embora bem menos grave.
O episódio “Papai Bebê” foi retirado da plataforma Disney+, que possui os direitos de reprodução do programa no streaming, depois de mostrar Bandit, pai do protagonista, brincando com os filhos de estar grávido.
Embora a Disney nunca tenha confirmado oficialmente, tudo indica que a empresa quis evitar ser acusada de fazer “apologia” à gravidez masculina em uma atração voltada ao público pré-escolar.
Mister Rogers' Neighborhood
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O programa infantil educativo estrelado por Fred Rogers apresentou, em 1983, uma série de cinco episódios, subintitulada “Mister Rogers Talks About Conflict” (em tradução livre, “Mister Rogers Fala Sobre o Conflito”).
A narrativa fazia referências à Guerra Fria – que vivia seu auge à época – e chegava a ensinar as crianças a se defender de um possível ataque nuclear. Eles foram retirados da programação tão logo sua exibição original aconteceu.
Posteriormente, em 2021, dois desses cinco episódios ressurgiram no YouTube, mas foram removidos em poucos dias, após seu resgate ser interpretado como uma crítica ao governo de Donald Trump.
Star Trek
O episódio “Patterns of Force”, lançado em 1968, passou décadas proibido na Alemanha por suas referências ao regime nazista de Hitler.
O capítulo em questão mostra Kirk (William Shatner) e Spock (Leonard Nimoy) visitando o planeta Ekos, cujos moradores aderiram ao nazismo como forma de governo, após serem convencidos pelo professor Gill (David Brian) da eficácia da ideologia em questão.
“Patterns of Force” foi tão mal-visto pelas autoridades alemãs que só pôde ir ao ar pela primeira vez na TV pública do país em 2011.
Vila Sésamo
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A preocupação do clássico programa infantil com a diversidade racial seria muito elogiada hoje em dia – mas em 1969, quando a atração foi lançada, por pouco não se tornou um obstáculo à sua própria exibição!
Naquele então, os Estados Unidos se encaminhavam para o fim da segregação racista que impregnou a história do país por quase um século. Os resquícios dessa cultura, entretanto, ainda eram significativos, a tal ponto de a Comissão Estadual de Televisão Educativa do Mississippi vetar a transmissão de Vila Sésamo no canal estatal ETV.
“Alguns membros se opuseram veementemente à exibição da série, por ela utilizar um elenco infantil bastante diversificado”, chegou a dizer um membro do grupo ao jornal The New York Times.
Felizmente, os telespectadores da ETV encaminharam uma multidão de cartas à emissora, reclamando da suspensão do programa e obrigando a comissão a rever seu parecer, o que permitiu em poucos meses a estreia de Vila Sésamo na grade.