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Retorno a Krypton e ao verdadeiro Super-Homem

Retorno a Krypton e ao verdadeiro Super-Homem

06.03.2002, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H12

Super-Homem na
Era de Ouro



Super-Homem na
Era de Prata

Must There be a Superman?

Last son of Krypton

Super-Homem
de John Byrne


Super-Homem
de Dan Jurgens


Super-Homem
As quatro estações


Superman
Retorno a Krypton

É fácil - e correto - dizer que o Super-Homem
foi criado por Jerry Siegel e Joe Shuster
na década de 30 em meio à Grande Depressão, sendo o primeiro super-herói e dando início à Era de Ouro deste gênero; mas não inteiramente correto. Como o principal mito do século 20, sua criação não pode ser atribuída apenas a dois artistas. Eles moldaram o Super-Homem, o imbatível salvador do mundo, campeão da verdade e da justiça correspondente às mais altas aspirações do ser humano em todos os aspectos, mas a partir de idéias - e mitos - já existentes, oriundos das mais diversas civilizações.

Além disso, é importante afirmar que o herói continuou sendo criado e aprimorado ao longo das décadas, construindo a seu redor uma mitologia única que incluía detalhes sobre o planeta Krypton, a Supermoça, Krypto (o Supercão), a Legião dos Super-Heróis e muitos outros elementos que lhe adicionaram dimensões emocionais e conflitos pessoais, fruto não apenas da mente de roteiristas e editores mas também da própria sociedade. Da Era de Ouro à Era de Prata, e desta à Era de Bronze, o maior herói de todos os tempos cresceu. À medida em que seus poderes expandiam-se, sua personalidade era solidificada, suas responsabilidades, suas motivações e a dor por suas perdas (a destruição de Krypton e a morte de seus pais adotivos na Terra) eram expostas. Significa dizer que o Superman de Siegel e Shuster, a versão da Era de Ouro, foi, dentro de seu contexto, o Maior Herói de Todos os Tempos, mas que, transposto para a Era de Prata, revelava-se física e ESPIRITUALMENTE inferior à sua nova versão e também aos outros super-heróis que inspirou. Era uma personagem de ação com background não muito bem definido disposto a fazer suas próprias leis, chegando, inclusive, a matar inimigos. A desvalorização da vida humana mostra que, na Era de Prata, o Superman da Era de Ouro não só estaria longe de uma perfeição platônica como ainda teria questionado seu título de herói e talvez até seria considerado um vilão.

A Era de Bronze ficou mais conhecida pelas histórias com temas de relevância social estreladas pela dupla Lanterna Verde e Arqueiro Verde, produzida pela não menos brilhante dupla Denny O’Neil e Neal Adams. E foi o próprio O’Neil, a serviço de Julius Schwartz, quem escreveu a "Saga do Homem de Areia", a primeira investida na direção de reduzir os poderes do Superman. E detestou o trabalho. Emergiram então os iluminados Elliot S! Maggin (ES!M) e Cary Bates, com o conceito "Deve existir um Super-Homem&qt;& (Must There be a Superman&qt;&)", baseada numa idéia que Maggin ouvira de Jeph Loeb tempos antes, quando jovens e longe de tornarem-se escritores. A proposta questionava a posição do Super-Homem com relação ao mundo, e a reafirmava como a de um verdadeiro líder que deve, através do exemplo e não da força, conduzir a humanidade rumo a um futuro de glórias. Esta é a lição de Maggin: "O segredo do Super-Homem é que ele é virtualmente onipotente e continua fascinando de qualquer maneira. É o que (Mike) Carlin nunca entendeu sobre a personagem. Seu conflito raramente é sobre ter ou não poder suficiente. É sobre dilemas, sobre certo e errado.".

Maggin escreveu dois romances: Superman: Last Son of Krypton e Superman: Miracle Monday, e teve participação fundamental na concepção do filme Superman dirigido por Richard Donner e estrelado por Chistopher Reeves. A personagem estava em sua forma mais sofisticada, e continuou a ser escrito por Maggin e Bates até Crise nas infinitas Terras e a amplamente divulgada reformulação de John Byrne, atualmente considerada a Perversão de John Byrne e Frank Miller.

Reinventado por Byrne, artista talentoso e com várias boas idéias, em conluio com Janette Khan e talvez interesses externos, o Super-Homem foi transformado em algo inteiramente diferente do que deveria ser. Espiritualmente destruído e fisicamente ineficaz, num contexto existencialista, relativista e hobbesiano. onde não há certo nem errado e os indivíduos estão em guerra constante uns contra os outros a caminho da destruição.

Parte do público ficou maravilhada com a falta de nobreza do herói, elementos de soap operas e seriados de TV como A gata e o rato, e com as novas explicações científicas para seus poderes. A vida humana perde o valor e o Super-Homem termina por não conseguir evitar o extermínio de uma Terra alternativa e executa os criminosos responsáveis, estando estes já derrotados e implorando clemência. Este é o pensamento do mundo atual, que repete as atrocidades da Segunda Guerra num confronto e possível genocídio de povos inteiros no Oriente Médio, e ninguém se importa com nada além de sua existência material. Apenas com o trabalho de Mark Waid e Grant Morrison, em Flash, Kingdom Come (Reino do Amanhã), obra que Waid dedicou a Maggin, e JLA (Liga da Justiça), foi retomada a verdadeira idéia do super-herói, que tem suas capacidades plenamente desenvolvidas, corresponde à fé e torna o sonho real, que não é uma promessa, mas sua plena realização.

Veja como Waid renega a visão de John Byrne: "esta foi uma idéia visivelmente tão ruim que NUNCA deveria ter acontecido, em grande parte porque ELES NÃO ERAM VILÕES MORTAIS. As pessoas tendem a esquecer que os vilões em questão tiveram seus poderes removidos PERMANENTEMENTE, não tinham saída e estavam reduzidos a IMPLORAR POR SUAS VIDAS... e ENTÃO o Super-Homem os mata a sangue-frio. (Ou, como um editor disse na época, de forma sincera mas que ainda me arrepia: ‘Bem, WOLVERINE mata, e sua revista VENDE BEM’. O Super-Homem com o qual me importo, escrevo e PROTEJO quando sento à frente do teclado nunca matou e jamais matará um ser inteligente só porque outro escritor pensou que seria legal".

Ficou claro, então, a existência simultânea de duas versões do Super-Homem, portanto do que deve ser o super-herói definitivo: a dos seguidores de John Byrne, como o deslumbrado Dan Jurgens, e a dos determinados a continuar a evolução de Maggin e Bates, capitaneados por Morrison e Waid, aos quais juntaram-se Tom Peyer e Mark Millar. Estes chegaram a planejar em conjunto uma revolução sem precedentes nos títulos mensais do Super-Homem, mas acabaram detidos por motivos que não foram e provavelmente jamais serão devidamente explicados.

Retorna à cena Jeph Loeb, já como o premiado roteirista de Batman: o longo dia das bruxas e, ao lado de seu habitual parceiro Tim Sale, faz história com Superman for All Seasons (As quatro estações), mostrando a época em que Clark Kent descobria seus poderes e lidava com a sensação de ser diferente, a mudança para Metrópolis, suas primeiras aventuras e contatos com Lois Lane e Lex Luthor. A idéia de John Byrne, segundo a qual Clark Kent era a verdadeira personalidade, foi enfim utilizada corretamente, amalgamada à grandiosidade do verdadeiro super-herói.

Com as séries mensais extremamente desgastadas por uma sucessão de sagas desagradáveis, excesso de coadjuvantes e tramas paralelas intermináveis, estava óbvio que novas equipes criativas precisavam ser convocadas. Eddie Berganza, o novo editor, contratou para o cargo de roteiristas Jeph Loeb e Joe Kelly. Suas histórias começaram a sair em Superman Premium 1, da Editora Abril, e foram logo colocados em evidência um Super-Homem mais poderoso e ao mesmo tempo mais humano, com a simplicidade de um caipira de Pequenópolis, incomparável pureza de coração e indômita força de vontade e, pela primeira vez, Lois e Clark unidos por um amor verdadeiro e inabalável - versão esta que seguiu sem mudanças dramáticas até o recente evento CRISE INFINITA, que promete alterações no personagem e em todo o universo DC.