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Primaggio Mantovi: Um italiano nos quadrinhos brasileiros

Primaggio Mantovi: Um italiano nos quadrinhos brasileiros

08.07.2003, às 00H00.
Atualizada em 07.11.2016, ÀS 20H08

Ele possui um invejável currículo composto de extensos serviços prestados à HQ brasileira, além de diversas premiações recebidas por esses trabalhos. Durante décadas, esse gênio da arte seqüencial foi responsável pela alegria de milhares de leitores, adultos e crianças, que provavelmente mal souberam quem lhes proporcionava tal feito.

O fato de que é comum, no Brasil, as HQs infantis não darem crédito aos autores, certamente fez com que o nome desse criador, Primaggio Mantovi - ou apenas Primaggio, italiano nascido em 1945 e vivendo no Brasil desde os 9 anos de idade -, não seja recorrente no meio. No meu tempo de Editora Abril, consegui colocar créditos na maioria das histórias feitas por nós (Os Trapalhões, Gugu...). Hoje, essas revistas não existem mais, mas o que saiu, ninguém apaga, diz o quadrinhista. Acho que os autores de super-heróis e desenhos sérios do nosso país só ficaram populares por causa de seu trabalho para o Exterior. Não fosse isso, seriam tão conhecidos quanto os de desenho infantil... ou seja, muito pouco.

Primaggio começou sua carreira em 1964, na RGE (Rio Gráfica e Editora), escrevendo e desenhando as histórias do cowboy Rocky Lane, herói do cinema norte-americano na década de 40, do qual era fã. Até 1968, produziu oito edições da personagem. Durante esse período, cuidava também das capas de revistas em quadrinhos. Foram cerca de duzentas, do layout à arte-final.

Ainda em 1968, transferiu-se para a área infantil, escrevendo, desenhando e colorindo as aventuras de Recruta Zero, o que sem dúvida foi um divisor de águas em sua carreira. Foram, pelo menos, cinqüenta, até janeiro de 1971, incluindo Zé, o soldado raso - o mesmo Recruta Zero com outro nome - para a Editora Saber.

Na mesma época, fez várias capas de algumas personagens publicadas pela Saber, além da única história dos Sobrinhos do Capitão feita no Brasil, que saiu no Suplemento Super Plá 7. Entretanto, não pôde assinar esses trabalhos, devido ao seu vínculo empregatício com a RGE.

Sacarrolha

Em 1970, Primaggio assumiu a chefia do Departamento de Arte da RGE, mesmo ano em que a editora promoveu um concurso de criação para uma personagem a ser lançada em revista própria. Primaggio participou com uma criação que já vinha desenvolvendo havia algum tempo, o palhaço Sacarrolha. Venceu o concurso e fechou um contrato de três anos de publicação.

O primeiro número do gibi Sacarrolha chegou às bancas em janeiro de 1972, com uma tiragem de 160.000 exemplares, alcançando a impressionante marca de 130.000 vendidos (alguém consegue imaginar uma publicação em quadrinhos vendendo isso tudo, hoje em dia?).

Para lançar o Sacarrolha no âmbito do merchandising, Primaggio chegou até a criar, em 1980, a Pejota Produções Artísticas.

O palhaço retornou em 1983 quando, numa parceria com Rodolfo Zalla, lançou pela Editora D-Arte a revista de atividades infantis Diversões do Sacarrolha, que durou até o número 13 de fevereiro de 1985.

Quanto aos planos atuais para a personagem, Primaggio brinca: O Sacarrolha está gozando de férias prolongadas (em matéria de palhaçadas, a concorrência, no Brasil, está demais!). Mas, a qualquer momento, pode voltar ao picadeiro.

A Era Abril

No começo de 1973, o autor foi convidado para trabalhar na Editora Abril, escrevendo e desenhando histórias com as personagens Disney.

Pato Donald, Mickey, 00-Zero, Superpateta, Peninha... desenhei também vários roteiros de outros escritores, afirma. Assumiu, então, a coordenação do Centro de Criação do Grupo de Publicações Infanto-Juvenis da editora.

Já no ano seguinte, passou a ser o chefe do Centro de Criação, sem deixar de desenhar. Ao mesmo tempo, coordenou a Escolinha Disney, que tinha como finalidade desenvolver novos talentos. Na mesma época, participou da revista Crás com Cafuné e Acácio, outras de suas personagens.

Em 1974, ao término do contrato de publicação de Sacarrolha com a RGE, o palhaço foi transferido para a Editora Abril, sendo lançado em 1975 com periodicidade quadrimestral, durando apenas quatro edições. Entretanto, voltou a aparecer em tablóides dominicais na Folhinha, suplemento do jornal Folha de São Paulo, e no Hojinho, suplemento do Jornal de Hoje, do Rio de Janeiro.

No ano de 1976, passou a coordenar o setor de quadrinhos nacionais da Editora Abril (Mônica, Cebolinha, entre outros publicados na época). Foi nesse mesmo ano que criou outra personagem, o Veterinário, apenas para tiras de jornal.

No ano seguinte, foi para a coordenação da redação das revistas Disney. Um ano após, lançou as tiras do Veterinário através da Ecab (Editora Carneiro Bastos), do Rio de Janeiro.

Foi incumbido, em 1978, de montar o Estúdio de Quadrinhos Disney da Editora Abril, que, entre outras atribuições, controlava a qualidade das histórias Disney produzidas no Brasil.

Continuou na função até 1997, quando saiu da Editora: Desde então, tenho feito de tudo: storyboard para animação, criação de universo de quadrinhos para o Projeto Tamar e para o Xaropinho, aquela personagem do Programa do Ratinho.

Esse de tudo começou ainda em 1997, quando montou o Primaggio Grupo de Arte, começando uma breve produção de histórias em quadrinhos para a Disney Italy, e permanecendo a fazer vários trabalhos para a Editora Abril, como as aventuras de Mulan e Tarzan (baseadas nos desenhos animados da Disney) que eram publicadas no Almanaque Disney.

Veia literária

Sua atual paixão, no entanto, é escrever. Seja um livro: Acabei de concluir um livro sobre o gênero cinematográfico Western (que este ano completa um século) a ser lançado até o fim de junho, pela Editora Opera Graphica; seja uma HQ: O título dessa história é ‘Luciano’, com desenhos do excelente Fernando Bonini. É só o que posso adiantar (mas este que vos escreve pode adiantar que o álbum sairá pela Via Lettera ainda neste semestre, garantido pelo Jotapê Martins, o chefão da editora).

Estaria o bom e velho Primaggio preparando um retorno triunfal? Essa nova HQ é apenas um pequeno início de uma nova e duradoura jornada, em vias de reacender a chama dos quadrinhos nacionais? Não considero Luciano ou o livro sobre Western um retorno, simplesmente porque eu nunca parei totalmente. Mas, considerando que fiquei na Abril editando material dos outros por cerca de vinte anos, é sem dúvida o início de uma nova fase em minha carreira de autor, responde. Quanto a eu ser parte da solução das HQs brasileiras, tenho a dizer que o problema está muito mais nas mãos do público consumidor e, principalmente, dos pretendentes a autores nacionais, que reclamam um espaço, mas só conseguem enxergar batmans, aranhas, wolverines, e agora mangás. Nada contra, mas não existe só isso de bom. Tudo indica que, para esse pessoal, é mais fácil torcer o nariz que prestigiar o produto da casa, alfineta.

Contudo, para os fãs de Primaggio, ver um novo trabalho seu circulando pelas bancas ou livrarias do País é, sim, um alento para o mercado de quadrinhos. Afinal, um escritor/desenhista que já trabalhou com personagens de universos tão díspares como Recruta Zero, Zorro, Pantera Cor-de-Rosa, Herculóides, Homem-Pássaro, Turma Disney, Sacarrolha e tantos outros que não mais abrilhantam as bancas de revistas do Brasil, e que ganhou duas vezes o Prêmio Abril de Jornalismo (em 1976 e 1978, e mais três destaques do mesmo Prêmio em 1979, 1980 e 1982) - além de vários HQ MIX com sua equipe do Primaggio Grupo de Arte - não vemos atuando por aí nos dias de hoje, fazendo trabalhos para o nosso mercado.

E foi muito bom ler de novo seu nome nos créditos de uma história em quadrinhos, como aconteceu neste mês de junho na revista Donald Super 2, da Editora Abril, cujas duas aventuras foram traduzidas por ele (traduções que, desde 2001, já vem fazendo das publicações Disney e Witch italianas, editadas pela Abril) .

Portanto, torçamos para que as Editoras continuem abrindo as portas para esse italiano que tanto fez pela HQ Nacional.

Buona fortuna, amico Primaggio.

P.S.: Caso alguém tenha se perguntado: não, ele ainda não se naturalizou brasileiro.Não me naturalizei por puro comodismo - filas, documentos, ter que votar... - mas sou brasileiro não por demagogia, mas por 49 anos de Brasil. Arrivederci.