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Novo mangá nas bancas: <i>Shin-Chan</i>

Novo mangá nas bancas: <i>Shin-Chan</i>

WV
21.04.2004, às 00H00.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 08H01

Histórias em quadrinhos enfocando as aventuras e tribulações de um garoto extremamente ativo com seus pais, amigos e animal de estimação existem muitas por aí (leia mais). Ainda que sem forçar demais a memória, qualquer leitor rapidamente lembraria de Pimentinha (Dennis, The Menace, de Hank Ketcham)ou de Calvin (Calvin and Hobbes, de Bill Watterson), para não falar de tantos grupos de crianças que aliaram em suas aventuras o encanto do mundo infantil às incertezas da vida adulta, como Charlie Brown (Peanuts), Little Lulu (Luluzinha) ou a brasileira Mônica, com suas turmas de meninos e meninas dos mais variados tipos. O imaginário infantil tradicionalmente representou uma fonte inestimável de narrativas para os quadrinhos do mundo inteiro.

Considerando a verdadeira febre da mangás que tem assolado o nosso país nos últimos anos, cativando leitores de todas as idades, não é de admirar que uma produção na linha daquelas mencionadas acima finalmente aparecesse no país em tradução para o português. Afinal, também os japoneses têm filhos (embora, por uma questão de planejamento ou falta de espaço físico para sua acomodação, nem tantos quanto os brasileiros...) e gostam de falar sobre eles em todas as mídias. A última publicação periódica em mangá a ser lançada pela Panini Comics vem exatamente comprovar essa afirmação, trazendo histórias completas, em geral de três a quatro páginas cada, de um protagonista infantil que, em termos de atividades que perturbam a vida dos adultos, em nada fica a dever a qualquer outro dos quadrinhos: Shin-Chan.

De uma maneira geral, criança é igual no mundo inteiro. Tanto aqui como no Japão, os meninos gostam de brincar, assistir à televisão, fazer estripulias, exercitar sua imaginação e despender suas energias em formas que geralmente infernizam e tiram seus pais do sério. Nesse sentido, Shin-Chan não é diferente, representando a vida de um menino de cinco anos - filho único, como é tão comum de acontecer nas famílias japonesas -, de um típico casal de classe média e suas atividades familiares, principalmente no contato com sua (pobre) mãe.

Dotada de um humor ferino, escandaloso e cheio de insinuações maliciosas, as histórias do superativo garoto colocam a nu alguns aspectos não tão agradáveis da sociedade japonesa - como a agressão às crianças no ambiente familiar, o papel inferior da mulher dentro de casa, a adesão a padrões de comportamento baseados em aparências, etc. -, que, de uma forma catártica, provocam o riso dos leitores, funcionando como uma válvula de escape às tensões do dia-a-dia (entre as quais estão incluídos exatamente os mesmos aspectos da convivência familiar que a série ridiculariza). Talvez estejam aí as razões de seu sucesso no Japão, que levaram à sua exportação para outros países, à produção de um desenho animado com a personagem (até recentemente exibido no Brasil pelo Canal Fox, na TV a cabo) e dois longas-metragens no cinema.

Elaboradas num desenho simples e canhestro que dá quase a impressão de ter sido traçado por uma criança pouco mais velha do que o protagonista das histórias, quase sem fundos ou cenários, as aventuras de Shin-Chan exploram os aspectos mais prosaicos da família Nohara, como a hora do almoço, um dia de passeio, a hora de dormir, o pai que cuida do filho na ausência da mãe, etc. Expostos de forma crua por opção do autor, esses aspectos poderiam no entanto ser mais interessantes se explorados com objetivo outro que não apenas o de chocar os leitores - ou, como também poderiam ser interpretadas as intenções do autor, impressionar àqueles leitores que acham interessante uma linguagem mais irreverente. Neste sentido, pode-se até lamentar que Yoshito Usui não tenha cultivado horizontes mais amplos do que o simples escândalo; talvez, dessa forma, teria sido capaz de produzir algo mais próximo a uma obra que valorizasse o imaginário infantil, em vez de apenas degradá-lo. Da forma como faz, as piadas ficam repetitivas ao final de algumas páginas do primeiro número, criando um círculo vicioso do qual não parece que haverá uma alternativa de melhora. Só esperando o lançamento do segundo número para saber. Pelo que é possível depreender da sua primeira edição, no entanto, a personagem fica longe dos clássicos do gênero.

Tudo indica que a decisão de publicação de Shin-Chan no Brasil está ligada a seu sucesso internacional e transposição para outras mídias; não, exatamente, à sua qualidade como produto quadrinhístico, ou seja, à utilização inteligente dos recursos da linguagem gráfica seqüencial (o desenho é tosco, as histórias fracas, as piadas, em geral, de gosto duvidoso...). Talvez represente uma aposta acertada da Panini Comics em termos de vendagem e sucesso junto ao público leitor, que vai se deparar nas bancas com um produto já conhecido e mais semelhante àquele que recebe por outros veículos de entretenimento. Afinal, se o público brasileiro assiste a (e parece gostar de) programas escandalosos na TV, certamente pode também se interessar por um garoto boca-suja e depravado...

Isto, porém, ainda está para ser provado. Parece evidente a qualquer um que se dedique a analisar os lançamentos de mangás no país - sem o irrestrito entusiasmo que costuma caracterizar muitos amantes do meio quando confrontados com qualquer novo lançamento -, que os critérios de seleção dos editores nacionais estão demasiadamente dependentes de esquemas de marketing industrial do setor, o que, em longo prazo, pode resultar nefasto para os leitores e para o mercado de quadrinhos em geral. Talvez seja o momento de se despertar para isso, colocando em segundo plano a relação entre as várias mídias e se guiando mais pelas características intrínsecas da obra em quadrinhos que se pretende lançar, tendo-as como principal elemento a ser considerado na escolha. Com certeza, devem existir histórias com protagonistas infantis produzidas pela indústria japonesa que teriam mais méritos do que Shin-Chan para serem traduzidas ao português, mesmo que não tenham sido tão bem sucedidas quanto ele em termos comerciais. Ainda que estas outras histórias possam ao final representar um risco financeiro maior para as editoras, é de se perguntar se não trariam benefícios mais representativos ao público brasileiro, ampliando o respeito que os leitores de quadrinhos têm pelos mangás e auxiliando a diminuir os preconceitos que ainda persistem na sociedade como um todo contra as histórias em quadrinhos. Se não por esse motivo, pelo menos a decisão poderia se justificar por razões ecológicas, pois é sabido que os recursos naturais utilizados para a produção de papel não são eternos.

Publicado em periodicidade mensal pela Panini Comics, Shin-Chan tem 68 páginas em preto e branco (lidas da forma ocidental) e custa 3,90 reais.