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Delirium, por Sienkiewicz |
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Desejo, de Manara |
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Morte, por Fabry |
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Sandman, de Prado |
Em outubro, pela primeira vez na história, um gibi entrou na lista dos livros mais vendidos do New York Times, um dos mais importantes periódicos dos Estados Unidos. O feito coube a Sandman: noites sem fim, álbum gráfico que marca o retorno de Neil Gaiman ao universo que ele criou para a revista Sandman, da DC/Vertigo.
Com a publicação nas mãos é fácil entender o motivo de tamanho sucesso. Mas antes, vale a pena lembrar a importância do britânico para a arte seqüêncial.
No final dos anos 80 e durante a década posterior, Neil Gaiman consagrou-se com seu texto às vezes misterioso, às vezes aterrorizante, mas sempre sensível e instigante. A narrativa do escritor era tão poderosa que nem mesmo o entra e sai de desenhistas no título - alguns excelentes, outros pífios - conseguiu abalar a publicação. Sandman conseguiu o que pouquíssimos gibis já conseguiram na história... deixou a esfera dos quadrinhos e foi aclamado como literatura de qualidade.
Agora, sete anos depois do final da série, o autor volta ao reino do Mestre dos Sonhos e vem em excepcional companhia. Para cada uma das histórias de Sandman: noites sem fim, Gaiman convidou um artista diferente. São sete, um para cada Perpétuo (entidades acima dos Deuses que ele criou para o Universo de Sandman): P. Craig Russel (Morte), Milo Manara (Desejo), Miguelanxo Prado (Sonho), Barron Storey (Desespero), Bill Sienkiewicz (Delirium), Glenn Fabry (Destruição) e Frank Quitely (Destino). Completa o time o designer e artista plástico Dave McKean, o mais tradicional colaborador de Gaiman, que assina a programação visual da publicação e a capa.
Na primeira história, "Morte em veneza", Gaiman apresenta uma fábula na cidade italiana, protagonizada por um garoto que encontrou a Morte e volta para procurá-la anos mais tarde. A mais velha dos Perpétuos tem planos para o jovem, que precisa ajudá-la a superar um singelo obstáculo, que guarda um lugar literalmente esquecido pelo tempo. O traço de Russel está, como sempre, excepcional, repetindo a parceria que teve com Gaiman em "Ramadan", uma das mais belas histórias de Sandman.
O segundo conto é dedicado ao andrógino Desejo, irmão/irmã de Morpheus. Na história, uma bela jovem faz um pacto com Desejo para conseguir a afeição do sedutor filho do chefe da aldeia em que vive. O grande destaque aqui são as lindas pinturas de Milo Manara, quadrinhista italiano que tornou-se conhecido justamente por ilustrar lindas mulheres e colaborar em alguns projetos com o cineasta Federico Fellini.
"O coração de uma estrela" marca a primeira participação no livro do personagem principal da série, Morpheus, ou Sandman - o Mestre dos Sonhos. Passada centenas de milhares de ano no passado, a história traz um parlamento de Corpos Celestes, em que Morpheus vai acompanhado de Killalla, sua consorte. Entretanto, um encontro casual trará conseqüências drásticas para o Perpétuo, que ecoarão pelo futuro, causando seu desentendimento com um outrora querido membro da família. A arte de Miguelanxo Prado (Mundo cão, o desenho Homens de Preto) nunca esteve melhor.
A quarta parte do livro é "Quinze retratos de Desespero", quinze pequenos ensaios sobre a mais aflitiva das criações de Gaiman. Cada um é cuidadosamente elaborado por Barron Storey, artista plástico e professor da consagrada School of visual arts de Nova York, com a ajuda de Dave McKean, responsável pelo design.
Um dos momentos mais interessantes de Noites sem fim é "Adentrando", um suspense ilustrado por Bill Sienkiewicz em que um grupo de cinco deficientes mentais é escalado para uma difícil missão: resgatar a inocente Delirium de dentro da mente de uma garota.
O penúltimo capítulo, "Na península", é também o mais convencional. Mas não por isso menos interessante. Os traços de Glenn Fabry, o capista de Preacher, não trazem inovações gráficas, apesar de bastante competentes. Entretanto, a história é ótima: uma expedição científica parte para uma escavação num sítio arqueológico. Mas ao invés de encontrarem objetos antigos, encontram artefatos... do futuro!
A história que dá título ao livro fecha a edição. "Noites sem fim", protagonizada por Destino, é quase que uma recapitulação do Universo de Sandman, uma espécia de manual de instruções de como funciona a criação de Gaiman. Tudo ali já foi explorado ao longo dos 10 volumes encadernados da série, mas nunca de maneira tão sucinta. Os desenhos simples e claros de Frank Quitely, famoso pela série Novos X-Men, estão inspiradíssimos.
Enfim, a edição brasileira, publicada pela Conrad, nada deve nada à original. Capa dura, impressão esmerada, acabamento perfeito, preço justo. Vale destacar também a velocidade com que a editora conseguiu colocar o álbum nas lojas por aqui. A edição brasileira é simplesmente a segunda a ser publicada no mundo todo, fato que mereceu comentários elogiosos do próprio autor em seu site oficial.
Sem dúvida, o melhor lançamento em quadrinhos do ano. Chamá-lo de "imperdível" é quase uma ofensa pela obviedade.