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Na década passada, como um reflexo da febre dos desenhos japoneses no Brasil pós-Cavaleiros do Zodíaco, diversas revistas começaram a aparecer com a proposta de ensinar fundamentos do desenho de mangá. Algumas eram boas e úteis para quem estava começando, mas a grande maioria era muito irregular. Material produzido por profissionais conscientes misturavam-se a tantos outros que ensinavam do jeito errado com exemplos canhestros.
Ao mesmo tempo, diversos cursos de mangá começaram a surgir, atendendo uma grande demanda por informação. Praticamente, qualquer um que copiasse algo com cara de mangá poderia dar aulas ou escrever lições de desenho. Tal situação contrastava (e ainda contrasta) com o historicamente escasso e mal pago mercado de quadrinhos brasileiros.
O traço de mangá é, antes de tudo, um desenho que possui formas estruturais como qualquer outro. E um desenho isolado não se configura num mangá, uma vez que este estilo implica uma HQ, com enredo e desenvolvimento de personagens. Por esta razão, Como desenhar mangás é uma publicação que vem bem a calhar. Este lançamento da editora JBC jogar uma luz sobre o assunto, explicando seus aspectos visuais e conceituais.
Produzida no Japão com o apoio da Sociedade de Estudo das Técnicas de Mangá, essa coleção já foi traduzida em vários países e finalmente ganha sua versão em português. Neste primeiro volume, é abordada a criação de personagens, tanto no aspecto do desenho quanto de roteiro e conceito. Tudo é narrado por um atrapalhado desenhista que conta com uma trupe bizarra de assistentes, que inclui até um gorila.
As seqüências que detalham o dia-a-dia do profissional são hilárias e verdadeiras, especialmente no tocante aos prazos, uma árdua realidade encarada por profissionais em qualquer parte do mundo. Os pequenos conselhos sobre cuidados com material, toques sobre como encarar a criação e como desenvolver um enredo são ótimos.
O livro não apenas relata problemas reais vividos por profissionais, como também ensina a usar os materiais corretos e do jeito certo. A relação de materiais, logicamente, traduz o que consta no original japonês. Por isso mesmo, indica vários itens que nem sequer existem no Brasil ou, então, que são encontrados aqui sob outros nomes. Um exemplo é o das folhas de retículas, as famosas películas adesivas usadas para efeitos gráficos. Extintas no Brasil há alguns anos e praticamente impossíveis de se achar por aqui, os efeitos de retícula são atualmente simulados em computador. Em várias citações, faltaram notinhas de rodapé indicando um similar nacional, o que pode frustrar muita gente.
No tocante à informação original, o livro peca quando o autor Tatsuhiro Ozaki tenta ensinar anatomia. Os desenhos de músculos são precários, demonstrando sua pouca desenvoltura com um desenho mais realista. No geral, o mangá usa pouco a anatomia clássica e quem desejar uma noção melhor, deve estudar fotos (como o próprio autor sabiamente recomenda) ou procurar livros de autores ocidentais como Andrew Loomis, Victor Perardi ou Burne Hogarth.
Fora essas pequenas imperfeições, o livro é uma leitura imperdível. Trata dos clichês com bom humor, apresenta idéias e conceitos muito bem organizados e mostra de modo divertido o que é ser um artista profissional de verdade.
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