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Crítica

Vision #1 | Crítica

Os Vingadores encontram Beleza Americana

12.11.2015, às 18H49.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H47

Foi um esforço em vão, para mim, tentar ler as caixas de recordatório em Vision #1 - o texto do narrador onisciente em terceira pessoa que conta a história de como o androide Visão cria uma família para tentar levar uma vidinha normal de subúrbio americano - sem usar mentalmente a voz lenta de Kevin Spacey. Porque tudo nesse primeiro contato com a série solo do Vingador sintético lembra Beleza Americana, a começar pela narração sarcástica, melancólica, como a de Lester no filme.

Desde que se rebelou contra seu criador, Ultron, Visão sempre quis entender a humanidade. No diálogo mais importante desta primeira edição da série escrita por Tom King, o personagem conta à sua esposa que Ultron perseguia de forma lógica um propósito definido, o que levava à tirania. "Já perseguir de forma absurda um propósito inatingível", diz Visão, para explicar sua decisão de emular uma rotina humana de classe média, banal e limitada, "leva à liberdade".

Pelo menos é o que sonha o herói, e até o fim da edição - que termina com um enfrentamento típico com um vilão de super-herói, e a impressão que fica é que esse tipo de conflito não será tão frequente assim na série - os sonhos de Visão já começam a desmoronar. Porque lidar diariamente com a luta do Bem contra o Mal no fundo é bem mais simples do que encontrar a felicidade no american way.

King brinca, numa chave scifi, com os clichês desse retrato da família americana que já povoava os quadrinhos underground dos EUA e desde Beleza Americana se multiplicou também no cinema indie: o colegial que é um terreno hostil de competição encontra nos filhos superpoderosos de Visão personagens com grande potencial (o quadro em que eles chegam voando na escola é ótimo); e as memórias pré-carregadas do casal Visão são como aqueles futuros pré-planejados dos casados que deliram com uma felicidade garantida.

Não demoramos a perceber como os Visão se acomodam nesses papéis tipo Beleza Americana, como o trabalho previsível do pai de família (como um engravatado na Casa Branca) e a tristeza passivo-agressiva da mãe (que quando extravasada também tem seu potencial de destruição multiplicado). Os desenhos de Gabriel Hernandez Walta dão conta muito bem dessa melancolia: do traço grosso ao sombreamento com linhas retas, tudo parece pensado para dar um tom carregado, meio aborrecido, mas acima de tudo claustrofóbico, às coisas que agora cercam a família sintética.

Até hoje o Visão já teve duas séries solo, em 1994 e 2002, e ambas terminaram depois de quatro edições. Pelo jeito como King e Walta começam sua HQ em Vision, tudo indica que esse formato de minissérie permanecerá, porque, além do vislumbre do final da história que descobrimos nas primeiras páginas, o que se desenha aqui é um pequeno conto moral com desfecho bem definido, que tende a reforçar o caráter trágico de Visão - e de toda inteligência artificial que sonha em se tornar plenamente humana, mesmo na miséria.

Nota do Crítico
Ótimo