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Crítica

She-Hulk (2014) | Crítica

Charles Soule segue a cartilha do "para-heroísmo" em arco sobre autonomia feminina

27.02.2015, às 15H49.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42

Um dos maiores sucessos de crítica hoje na Marvel Comics e objeto de culto de fãs desde que começou a sair em 2012, a HQ do Gavião Arqueiro por Matt Fraction deu a deixa de como usar heróis de terceiro escalão no Universo da editora com uma pegada alternativa: tratar essas histórias como uma espécie de "para-heroísmo", reforçando seu caráter local, provinciano às vezes, para se opor à grandiloquência das grandes sagas dos principais heróis da casa.

Em Hawkeye, isso ganha contornos exagerados às vezes, como passar uma edição acompanhando Kate Bishop fazendo supermercado ou na já clássica HQ contada do ponto de vista de um cachorro - praticamente uma releitura do nosso complexo de vira-lata. O trunfo de Fraction, que narra o dia a dia do Gavião quando não está atuando com os Vingadores, é pegar a viralatice e invertê-la, como se dissesse: "Sim, sou desimportante, mas preste atenção como sou capaz de provar meu heroísmo nas pequenas coisas".

A Mulher-Hulk escrita por Charles Soule com desenhos de Javier Pulido, cuja série começou em 2014 como parte da linha de relançamentos All-New Marvel Now e chega agora ao fim nos EUA depois de 12 edições, segue a cartilha indie de Hawkeye e consegue resultados igualmente eficientes, por vezes brilhantes. O "para-heroísmo" já fica assinalado na capa da primeira edição, em que Jennifer Walters, com seu traje civil, de advogada, sai de um buraco da parede que tem a silhueta da Mulher-Hulk típica, fazendo pose de halterofilista. "Nunca somos apenas uma coisa", frase que se repetirá ao longo do arco, sintetiza a proposta.

A série She-Hulk de Soule é um dos exemplos de boas histórias feitas hoje com mulheres protagonistas nos quadrinhos, justamente por causa dessa disposição de encontrar a mulher por trás da montanha de músculos, achar uma Jennifer Walters que se reafirme não pela força mas pela independência. Que a HQ, em boa medida, troque um fetiche masculinizante por outro - sai a roupa rasgada e o cabelão da mulher monstruosa e entram o coque e as camisas sociais da "mulher de negócios" - acaba sendo um detalhe apenas.

A valorização da independência de Jennifer, assim como o elogio dos marginalizados em Hawkeye, passa necessariamente pelo paralelo com os grandes heróis. A história em três partes entre She-Hulk #8 e #10, ponto alto do arco de Soule, com a participação do Capitão América, é ótimo exemplo disso - e de quebra nos lembra que Steve Rogers já foi um herói "menor" também. Já Tony Stark surge aqui como representante dos super-heróis corporativos, superstars - elemento simbólico de oposição aos "heróis do dia a dia" que Soule também transforma em peça dramática, quando revela o vilão por trás da "pasta azul" no final do arco.

Desde que Jennifer decide abrir um escritório de advocacia sozinha, no número #1, em um escritório localizado em Dumbo no Brooklyn, seu caráter de pária já fica evidente: "dumbo" é a sigla em inglês de "sob a passagem da ponte de Manhattan". Sim, ela vive "debaixo da ponte". Heróis cheios de problemas triviais e contas para pagar nunca foram raridade nas histórias novaiorquinas da Marvel, mas, como nas melhores tramas de "vizinhança" do Homem-Aranha, a Mulher-Hulk sabe tirar da sua condição cotidiana algumas pequenas grandes vitórias.

Tamanho o seu poder, a prima de Bruce Banner não deixaria de protagonizar pelo menos uma grande cena de quebra-pau neste arco, para satisfação dos fãs de destruição, mas a exemplo das edições mais exageradas de Hawkeye, Soule parece ter mais prazer quando leva a Mulher-Hulk ao extremo do mundano: no número #7, ela estrela com Hank Pym e Felina uma aventura à la Querida Encolhi as Crianças, literalmente de fundo de quintal.

A contribuição do desenhistas Javier Pulido para essa proposta é fundamental. Não apenas nas soluções de design frequentemente elegantes (como a página dupla que vai de Leste a Oeste no flashback do Capitão, ou toda a luta contra Titânia e Vulcana), mas especialmente porque seu traço meio naïve é a tradução visual do enfoque descompromissado de Soule. E o design dos ambientes lembra Chris Ware em alguns momentos, o que também serve como elogio do primordial: é o tijolo aparente dos pequenos prédios brownstone do Brooklyn, revelando já na fachada do que eles são feitos por dentro.

Apesar da aparência embrutecida, Mulher-Hulk também consegue mostrar aqui do que é feita.

Nota do Crítico
Ótimo