HQ/Livros

Crítica

Phonogram: The Immaterial Girl #1 | Crítica

Criadores de The Wicked + The Divine retomam sua série anterior depois de cinco anos, agora com pegada mais visual

02.09.2015, às 19H27.

Não parece ser coincidência o fato de Phonogram - HQ cujos arcos acompanham momentos da música pop nas últimas três décadas - retornar aos quadrinhos, depois de cinco anos, tendo a era dos videoclipes como foco. É justamente de uma narrativa mais visual e dinâmica que o roteirista Kieron Gillen e o desenhista Jamie McKelvie têm se aproximado no seu trabalho pela Image Comics.

Nos anos em que o obscuro Phonogram esteve ausente - o primeiro arco, sobre o britpop oitentista, foi de 2006 a 2007, e o segundo, sobre a cena indie dos clubes dos anos 2000, foi publicado entre 2008 e 2010 - Gillen e McKelvie experimentaram seu primeiro sucesso de vendas (e um contrato de adaptação à TV) com The Wicked + The Divine a partir de 2014. É muito provável que o caráter mais acessível de The Wicked + The Divine, e principalmente o seu apelo mais franco de história sobrenatural, tenham influenciado pesadamente agora o retorno de Phonogram, cujo terceiro volume, The Immaterial Girl, começou a ser publicado nos EUA em agosto sob a pressão de vender mais do que os dois volumes anteriores.

As duas séries da Image têm muito em comum, embora não dividam um mesmo universo; ambas partem da premissa de que a música é uma forma de magia, canalizada por pessoas capazes de entregar uma performance que cative o público, seja tocando ao vivo ou colocando um disco para girar. The Wicked + The Divine reinterpreta um panteão de deuses na forma de astros do pop, para comentar o status de divindade que atribuímos aos nossos ídolos da música, enquanto Phonogram é literalmente mais voltado para o indie, pois tem como protagonistas críticos musicais, fanzineiros, DJs e fãs que desenvolvem poderes próximos da bruxaria, como de fato um culto proibido.

É importante ler os volumes anteriores de Phonogram para entender The Immaterial Girl, porque embora cada um deles tenha uma pegada distinta (o volume dois se constituía de histórias fechadas a cada edição, por exemplo, na tentativa de vender mais), os personagens se repetem e a história vai e volta no tempo, desde a década de 1980 até (por enquanto) o ano de 2009. Em Phonogram: The Immaterial Girl #1, testemunhamos um momento que já havia sido sugerido na HQ há tempos: o dia em 2001 em que Claire usa seu poder de phonomancer para mudar de estilo e identidade, deixando para trás a vida de gótica autodestrutiva e tornando-se a estilosa clubber Emily.

Ao contrário de The Wicked + The Divine, que apresenta uma mitologia mágica com regras mais ou menos definidas desde as suas primeiras edições, em Phonogram nunca sabemos direito quais são as condições que regem a transformação ou os poderes de um phonomancer (fora o básico, bem próximo do vampirismo, como enfeitiçar pessoas normais). Gillen concebeu a HQ como uma analogia aos conhecidos "encantos" da música pop (pessoas que têm experiências extracorporais numa pista de dança ou que magicamente trocam de estilo quando uma moda musical passa) e talvez por isso o roteirista nunca tenha se interessado em colocar no papel uma mitologia fechada para Phonogram.

A impressão inicial de The Immaterial Girl nesta primeira edição é que essa questão da mitologia solta permanecerá. A narrativa, porém, está bem mais focada. A trama vai ao passado de Claire/Emily, num flashback providencial à la Poltergeist (com direito a participação especial de Michael Jackson), para mostrar como ela fechou o contrato faustiano de se tornar uma phonomancer - uma pausa de exposição que Gillen antes não permitia muito para explicar o universo da série. Depois, quando a trama vem para 2009, ganha contornos de suspense sobrenatural ao descobrirmos que Claire ainda assombra Emily.

E aí entra um dos grandes atrativos de Phonogram, que é pegar as referências de metalinguagem. Como a era dos videoclipes já se desenha como o tema do volume três, nada melhor para abrir o arco do que relembrar o revolucionário vídeo de "Take of Me", do A-Ha, aquele que combinava live-action e animação numa trama de realidades paralelas. Fora o fato de ser um dos clipes mais importantes da história da MTV, é uma escolha muito feliz de Gillen para embalar essa nova encarnação de Phonogram, que depois de cinco anos de ausência, depois do sucesso de The Wicked + The Divine, realmente precisava retornar com impacto diante de velhos e novos leitores. Esse impacto vem na forma de um grande ciclo que se fecha: a HQ que evoca as sensações da música pega emprestado o vídeo do A-Ha que brincava com a narrativa de uma HQ.

De resto, Phonogram: The Immaterial Girl #1conserva o que sempre foi o forte da série: a ideia de que a memória afetiva nos torna aquilo que somos, para o bem e para o mal, ainda que o pop insista em dizer para vivermos unicamente o momento (que tem em média os três minutos e meio de um bom single). Se sucumbir acriticamente a essa memória sempre foi visto na HQ como um pecado (nostalgia é uma emoção para pessoas sem futuro, escreve Gillen), agora Emily deve aprender que negligenciar essa memória também tem o seu preço.

Nota do Crítico
Ótimo