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Chic Young e Blondie

Chic Young e Blondie

WV
06.03.2001, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H11
A vida familiar foi bem cedo enfocada nas histórias em quadrinhos, principalmente sob o ponto de vista humorístico. Uma de suas primeiras manifestações ocorreu em 1913, quando George McManus iniciou a publicação, nos jornais de William Randolph Hearst, de sua popular série Bringing up Father, em que narrava as desventuras familiares de um milionário recalcitrante dominado por uma esposa burra e pernóstica. Foi um sucesso na época, abrindo caminho para diversas outras histórias que exploravam, criticavam, ridicularizavam e, ainda assim, defendiam com unhas e dentes o american way of life, exportando-o para o resto do mundo. Com esse tipo de histórias, uma significativa parcela da indústria de histórias em quadrinhos assumiu em plenitude seu papel de divulgadoras da cultura norte-americana como modelo a ser universalmente seguido. Pelos quadrinhos – como, também, pelo cinema -, seus costumes, hábitos e idiossincrasias tornaram-se familiares aos habitantes de praticamente todos os continentes da Terra, facilitando o processo de hegemonia econômica e cultural a que este país se dedicou, com grande sucesso, na segunda metade do século 20.

Séries como as acima mencionadas pertencem a um gênero de quadrinhos que se popularizou a partir da atuação dos syndicates, empresas dedicadas à distribuição e comercialização de tiras e páginas dominicais de quadrinhos para os jornais do mundo inteiro: as family strips. E é lógico que tenham surgido dentro desse movimento de disseminação do meio de comunicação de massa, pois quanto maior a familiaridade dos leitores com os temas tratados, maior é, teoricamente ao menos, a probabilidade de sua veiculação pelos mais diferentes jornais. E na primeira metade do século 20 não existia nada mais familiar ao leitor norte-americano do que a sua própria família... (utiliza-se aqui os termos de forma literal e repetitiva, exatamente para destacar o raciocínio dos magnatas dos quadrinhos na época).

UM COMEÇO SEM DESTAQUE

No campo das family strips, nenhuma obra de quadrinhos chegou mais longe e teve mais ressonância em seu público do que aquela elaborada pelo quadrinhista Chic Young, em que se relatavam as aventuras (e desventuras) de uma típica dona de casa da classe média norte-americana, Blondie (no Brasil, Belinda). Os dados a confirmar esse feito são impressionantes, conforme aponta o pesquisador espanhol Javier Coma: atingiu um índice de publicação simultânea em mais de 2000 jornais (o que a coloca, junto com Peanuts e Garfield, entre os três quadrinhos de maior circulação no mundo), uma peça teatral, 28 filmes B para o cinema (de 1938 a 1950), uma série radiofônica (emitida de 1939 a 1951), duas séries de televisão (de 1954 a 1958 e de 1968 a 1969), 10 romances (na década de 40), duas séries de desenhos animados para a televisão, etc.

O autor da série, Murat Bernard Young, que assinava os trabalhos com seu apelido, Chic, já tinha quase dez anos de experiência trabalhando com histórias em quadrinhos quando elaborou Blondie para o King Features Syndicate. Nascido em 1901, tinha menos de 30 anos ao idealizar a personagem, algo que deve ser visto ainda com mais admiração se lembrarmos que não era sua primeira criação. Antes disso, havia criado histórias em quadrinhos para vários syndicates: The affairs of Jane, para a Newspaper Enterprise Association (1920); Beautiful Bab, para o Bell Syndicate (1922) e Dumb Dora, para o mesmo King Features.

Filho de uma pintora e irmão de outro autor de quadrinhos bastante conhecido - Lyman Young, criador de Tim Tyler’s Luck -, Chic havia se dedicado, desde cedo, ao estudo da ilustração, freqüentando escolas de arte em Chicago, Nova Iorque e Cleveland. Parecia, assim, predestinado ao mundo da ilustração e dos quadrinhos. Suas primeiras personagens, no entanto, pouco destaque alcançaram, sendo apenas acréscimos de pouca significação a um gênero então muito popular, o das girl strips, constituído por histórias voltadas às vicissitudes de mulheres jovens, formosas e solteiras, normalmente envolvendo componentes românticos e amorosos

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Não admira, portanto, que, ao surgir nos jornais em 15 de setembro de 1930, Blondie estivesse ainda distante do modelo de quadrinho familiar anteriormente mencionado, mas inserida no gênero que o autor dominava melhor na época. Assim, a proposta inicial de Chic Young para Blondie buscou retratá-la como uma jovem, bonita e meio aloucada secretária que vivia as experiências comuns às jovens de sua idade. Cercada por pretendentes, ela acaba se decidindo por um deles, Dagwood; no entanto, é rechaçada pelos pais do noivo, milionários do transporte ferroviário, por não estar no mesmo nível social que eles.

A VIDA EM FAMÍLIA

O modelo girl strip perdurou na série durante dois anos e meio e poderia provavelmente ter continuado por mais algum tempo, não tivesse o interesse por ela diminuído, o que levou seu autor a dar um basta ao dramalhão: forçou o jovem apaixonado a tomar a drástica e irrevogável decisão de realizar uma greve de fome para obter o consentimento dos pais. Ele o conseguiu, finalmente, depois de 28 dias de sofrimento e um plebiscito nacional a seu favor, por parte dos leitores da história. Blondie e Dagwood casaram-se em uma memorável sexta-feira, 17 de fevereiro de 1933. No entanto, embora bem sucedido em sua empreitada, Dagwood foi imediatamente deserdado pelos pais, tendo então que ganhar a vida como qualquer pessoa. Ou seja: teve que passar a trabalhar duro para sustentar a mulher, a família e o cachorro, como todo bom cidadão de classe média que se preza...

Foi esse o turning point, a reviravolta definitiva da série, o maior motivo, talvez, de seu inegável sucesso. Quase que, da noite para o dia, Blondie deixou de ser uma jovem fútil e despreocupada, para se tornar um modelo de esposa amorosa e mãe abnegada, assumir as rédeas da família e controlar o marido atrapalhado, organizando à perfeição o seu pequeno mundo. Tornou-se a encarnação da mulher americana ideal. E o crescimento da família deixou isso ainda mais evidente: em 1934 nasceu seu primeiro filho, Alexander, o Baby, seguido, sete anos depois, por Cookie, cujo nome foi decidido por sugestões dos leitores. O elenco familiar completou-se com a chegada da cachorra Daisy e seus cinco filhotes.

De uma certa forma, é possível afirmar que a identificação popular com a série talvez tenha ocorrido em virtude do momento histórico em que a reviravolta temática aconteceu. Estava-se no auge da grande depressão e o jovem Dagwood, ao ser deserdado, passou a enfrentar as mesmas dificuldades de todos os leitores da tira, engajando-se em uma correria interminável, da casa para o trabalho, do trabalho para casa, e tendo que se submeter docilmente a um chefe irascível e dominador, com medo de perder o emprego. As gags geradas pela vida atribulada das personagens eram familiares a todos os leitores. E continuaram a ser assim mesmo depois que a recessão passou, pois Chic Young foi esperto o suficiente para cercar os protagonista de uma variedade de personagens simpáticas e representativas da sociedade contemporânea, que apenas fortaleceram o atrativo da série. Sempre pessoas comuns, trabalhadores como o carteiro Mr. Beasley, repetidamente atropelado por Dagwood quando este sai atrasado de casa para o trabalho, ou representantes da classe média, como o casal de vizinhos Herbie e Tootsie Woodley, utilizados para retratar as situações corriqueiras de uma sociedade suburbana.

SUCESSO ATÉ HOJE

Chic Young dedicou-se à sua série mais famosa até seu falecimento, em 1973. Depois disso, Blondie foi continuada pelo filho e assistente do autor, Dean Young, que permanece à frente dela até hoje. Nessa tarefa, recebeu auxílio de diversos artistas, como Jim Raymond, irmão de Alex Raymond (que já havia trabalhado com Chic Young e continuou a desenhar a personagem até 1989, quando faleceu), Stan Drake (1989 a 1997) e Denis Lebrun, seu atual desenhista. Atualmente, o público leitor de Blondie é estimado em 280 milhões de leitores diários, em mais de 2300 jornais no mundo inteiro. Poucas obras em quadrinhos conseguem mostrar um currículo de tal magnitude, depois de 70 anos de publicação ininterrupta.

Leituras recomendadas
The Blondie story. http://www.blondie.com
COMA, Javier. Blondie. In: --------. Del gato Félix al fato Fritz: História de los comics. Barcelona : Gustavo Gili, 1979. p. 86-91.