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Ah, Corto Maltese! Uma das melhores HQs de todos os tempos! Clássico incontornável das HQs que influenciou uma infinidade de artistas, de Milo Manara a Frank Miller. Obra máxima do italiano Hugo Pratt, esta lendária série foi republicada recentemente em Portugal em uma coleção econômica vendida em conjunto com o jornal Público e incluindo o último álbum do personagem - "Mû" - até então inédito em português! Sem dúvida uma das mais interessantes publicações de quadrinhos em Portugal dos últimos meses.
Criado em 1967 para a história "Una Ballata del Mare Salato", serializada na revista italiana Sgt. Kirk (que publicava HQs antigas - de sua fase argentina - e inéditas de Pratt) Corto Maltese começou como apenas um dos vários personagens fascinantes desta aventura épica. Com o término dessa HQ (e posterior cancelamento da revista), Pratt foi conversar com Claude Moliterni, editor do semanário francês Pif (no seu tempo o gibi ocidental mais vendido de todos). Conseguiu publicar no semanário 21 episódios de 20 páginas do marinheiro maltês entre 1970 e 1973. Estas histórias curtas, brilhantes demonstrações de que prazos apertados e limitações de tamanho não significam necessariamente HQs de má qualidade, sedimentaram a reputação de Pratt e de sua criação não apenas na França mas em toda a Europa. Isso deu a Pratt liberdade para criar outros trabalhos, inclusive aventuras mais longas de Corto Maltese, que o tornaram um dos criadores de HQs mais respeitados da Europa até sua morte, em 1995.
Marinheiro aventureiro e sedutor, Corto Maltese passa a vida a viajar pelo mundo em busca de tesouros. O que encontra são aventuras por lugares exóticos, recheadas de ambiciosos vilões e belas mulheres, por quem o marinheiro se apaixona mas inevitavelmente acaba por perdê-las. Sua companhia habitual é o psicótico russo Rasputine, um assassino louco desprovido de compaixão, mas que nutre uma grande amizade por Corto, com quem forma uma das mais interessantes duplas de aventureiros dos quadrinhos.
A coleção contou com 16 edições (mais um "Guia de Leitura" com muitas informações sobre a série), correspondentes a 8 dos 12 álbuns da edição francesa (a disparidade de números se explica porque vários dos álbuns eram demasiado longos e foram "desmembrados" em dois ou três volumes da coleção), todos publicados em glorioso preto e branco, como nas suas edições originais (diferente das versões colorizadas publicadas pela Meribérica). A saber:
- "A balada do mar salgado" (três volumes) - Primeiro álbum da série, apresenta Corto, Rasputin e alguns outros personagens recorrentes da série, envolvidos com um grupo de corsários a serviço das alemães no Pacífico Sul no início da Primeira Guerra Mundial. Um épico obrigatório das HQs, já publicado no Brasil pela L&PM.
- "Sob o signo do Capricórnio" (dois volumes) - Primeiro dos quatro álbuns que compilam as 21 histórias de Corto Maltese publicadas na Pif. Contém seis histórias ambientadas na América Latina (várias delas no Brasil!) e dá o tom das aventuras posteriores do personagem.
- "As célticas" (dois volumes) - Terceiro álbum compilando as histórias da Pif (os outros dois ficaram de fora da coleção e não estão atualmente disponíveis em edição portuguesa. Um destes - "Corto Maltese na Etiópia" - foi publicado no Brasil na coleção de bolso da L&PM), contém seis histórias ambientadas na Europa (em particular na Irlanda) durante a Primeira Guerra. Foi publicado no Brasil, sempre pela L&PM, como "Concerto em O menor para harpa e nitroglicerina", nome de uma das histórias.
- "Corto Maltese na Sibéria" (dois volumes) - Início das aventuras longas de Corto, mostra o marinheiro e seu parceiro Rasputine durante a Revolução Russa em uma corrida para capturar o trem que leva o tesouro do Czar da Rússia para a Manchúria. Esta empolgante aventura também serviu de base para o ótimo longa de animação do herói.
- "Fábula de Veneza" (um volume) - Com um clima mais onírico, que se repetiria nas aventuras posteriores, essa história coloca Corto em busca de uma pedra preciosa na célebre cidade italiana. Uma verdadeira declaração de amor de Pratt à cidade onde passara a infância.
- "A casa dourada de Samarcanda" (dois volumes) - Passada numa Turquia ainda marcada pelo genocídio do povo armênio, esta aventura mostra Corto tentando libertar seu inseparável parceiro Rasputine da prisão que dá título à história para em seguida partirem em busca do lendário tesouro do conquistador Alexandre, o Grande. O grande destaque da história, porém, é a curta e insólita participação de Josef Stalin!
- "Tango" (um volume) - Passada inteiramente na Argentina, esta aventura atípica tem Corto à procura não de um tesouro, mas de vingança pelo assassinato de uma antiga paixão. Na história, Pratt homenageia o país que habitou por muitos anos e onde desenhou várias de suas HQs mais clássicas.
- "Mû" (três volumes) - Última e mais longa das HQs de Corto Maltese, esta resgata vários dos temas e personagens surgidos nas histórias da Pif para uma última grande aventura em busca do continente perdido da Atlântida. Merece destaque por ser a primeira publicação em português desta aventura, a única que ainda estava inédita na nossa língua.
Vale ainda mencionar o guia de leitura Corto Maltese no Público, publicado junto com a coleção. Ele contém uma interessantíssima coleção de matérias a respeito do personagem, incluindo uma longa entrevista com Pratt, uma análise compreensiva de cada uma das histórias da coleção, uma galeria dos personagens mais marcantes da série e até uma série de depoimentos de figuras célebres da sociedade portuguesa (entre jornalistas, escritores, professores e até o líder de um partido de esquerda!) explicando a importância de Corto Maltese em suas vidas. É algo que não se vê todos os dias e uma demonstração cabal da força do personagem.
Ficam de fora da coleção apenas os já citados dois volumes com histórias da Pif e os dois álbuns publicados originalmente a cores ("As helvéticas" e "A juventude de Corto Maltese", ambos disponíveis em Portugal em edições da Meribérica). São omissões menores que não comprometem o enorme valor da coleção, indispensável para todos os fãs de quadrinhos tanto por razões históricas, por reproduzir as histórias mais significativas de um dos grandes clássicos da HQ européia, quanto por razões qualitativas, já que as aventuras de Corto Maltese não envelheceram nem um dia e são ainda tão geniais nos dias de hoje quanto o eram na época de sua primeira publicação.
Em resumo, uma iniciativa espetacular que merecia ser repetida no Brasil, onde o personagem é ainda uma figura injustificadamente obscura. Escrevam para seus jornais preferidos cobrando isso. Vale o esforço!