Divulgação

Prime Video

Crítica

Crítica | American Gods se esgota na terceira temporada

Série luta para se reorganizar mas não consegue reviver seus conflitos centrais

22.03.2021, às 18H01.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H48

Quando olham para trás, provavelmente uma boa parte dos fãs de American Gods se pergunta “o que deu errado?”. A série, que nasceu para ser uma poderosa obra conceitual em torno de mitologia e imagem, se tornou uma confusão de superficialidade e saídas improvisadas, assolada por mudanças nos bastidores.

A presença de Neil Gaiman na produção-executiva deveria, supostamente, dar uma solidez para a adaptação do seu romance, e no início da terceira temporada as declarações eram de pleno otimismo. Mas vamos combinar que a última coisa que American Gods tem é controle. A terceira temporada até tenta aparar as arestas que estavam atrapalhando... Shadow Moon (Ricky Whittle) foi embora para Lakeside, mudou a aparência, sorriu mais, tentou ser mais humano. Na cidadezinha, a série pôde suavizar a narrativa e dar a ela elementos telúricos que fazem falta. Costuma acontecer muito em séries de fantasia (dramas ou não) a perda do senso de rotina. Todo mundo está sempre fugindo, caçando, quase matando ou quase morrendo. Porém, como vem acontecendo, sempre que algo se estabelece e se resolve, a sensação seguinte é de vazio e que o drama foi subaproveitado. A ida de Shadow para Lakeside foi só mais um desses exemplos.

Deuses?

Não me entendam mal, Lakeside foi extremamente útil para que a temporada não fosse uma imensidão de coisa nenhuma. Mas, o próprio enredo de crime para ser resolvido num vilarejo pacato e aconchegante parecia desconexo. Sabemos que ele está lá no livro, mas a série se enfeitou tanto de recursos imagéticos nos dois primeiros anos, que aquela trama à la Agatha Christie gritava sua própria inadequação. A ideia do carro no lago congelado todos os anos ser a chave para a resolução dos desaparecimentos daria um enredo fantástico escrito por Stephen King, mas ali em American Gods não fazia sentido nenhum.

O adiamento da tal “guerra” virou uma piada na boca dos próprios personagens. É impressionante como absolutamente nenhum dos deuses consegue funcionar. Depois da varredura em vários deles por conta das demissões, os que sobraram parecem discos arranhados que só fazem ameaças. E todos são assustadoramente monocórdios. Mr. World (que nessa temporada foi interpretado por três atores diferentes) é um vilão de desenho infantil e junto com o Technological Boy (Bruce Langley) forma a dupla de Novos Deuses que continua fazendo parecer que a modernidade só trouxe malefícios. Essa ideia de que Deuses Novos provocam o esquecimento dos Deuses Antigos é problemática, porque no meio da temporada pouco importa quem quer vencer quem, quem quer matar quem, uma vez que nada tem reflexos na vida cotidiana e a guerra soa cada vez mais superficial. Cinquenta frases de efeito ditas em um só episódio fazem com que nenhuma delas tenha, de fato, efeito algum.

É muito interessante que, ao colocar essa terceira temporada em perspectiva, apenas os personagens humanos seguem com o mínimo de carisma. Laura Moon (Emily Browning) é preciosa para American Gods como nenhum outro personagem. O primeiro bom episódio dessa temporada é a viagem dela ao purgatório. Quando retorna, Laura é a que tem as motivações mais objetivas: vingar-se de Wednesday. Ao lado dela por boa parte da temporada, Salim (Omid Abtahi) é dono do outro bom episódio desse terceiro ano. Todo o arco envolvendo a pousada Peacock e os processos de aceitação do personagem foi extremamente bem cuidado e desenvolvido. De fato, o episódio em que descobrimos que o Deus Coelho da China, guardião do amor entre pessoas do mesmo sexo, fez da Pousada um templo de segurança para as comunidades LGBTQI+, talvez seja o melhor da série inteira.

Também foi nesse episódio que o novo Leprechaum, vivido por Iwan Rheon (de Game of Thrones), se juntou ao elenco periférico, mostrando mais uma vez como Laura é valiosa. Duas cenas com ela e a química já estava estabelecida. É muito importante que gostemos dos seres fantásticos que rondam a série. Até o momento, somente Bilquis (Yetide Badaki) consegue ser minimamente carismática. O arco dela esse ano foi promissor, já que existe muito território produtivo na mitologia dos Orixás. Mas, a personagem continua sendo empurrada a esmo para o meio de plots desinteressantes.

Com um season finale totalmente anticlimático, American Gods foi preparada para uma quarta temporada, que precisa ser a última. Toda a ideia de que Wednesday planejou tudo que aconteceu até aqui não teve absolutamente nenhum impacto e o personagem (desperdiçado num longo enredo envolvendo um triângulo amoroso divino) precisará “voltar em sua melhor forma” em todos os aspectos. Até agora, não só a tal guerra continua sendo adiada, como também passou a não fazer falta nenhuma. Se os Deuses são aquelas criaturas desinteressantes, cafonas e que só falam em chavões, é melhor mesmo que deixem de existir.

Assista no Prime Video

Nota do Crítico
Regular