Música

Entrevista

Pearl Jam Twenty | Omelete entrevista Pearl Jam e Cameron Crowe

Banda e diretor falam sobre o desafio de reunir 20 anos de história em um documentário

20.09.2011, às 19H19.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H44

O Pearl Jam está lançando nesta terça-feira, 20 de setembro, o documentário Pearl Jam Twenty em sessões únicas ao redor do mundo, incluindo exibição em 26 cidades brasileiras. Para promover o filme, os integrantes da banda e o diretor Cameron Crowe realizaram uma coletiva de imprensa no Festival Internacional de Cinema de Toronto e nossos parceiros do Collider tiveram a oportunidade de participar da entrevista.

Eddie Vedder

Eddie Vedder

Cameron Crowe

Cameron Crowe

Matt Cameron

Matt Cameron

Jeff Ament

Jeff Ament

Stone Gossard

Stone Gossard

PJ20 poster

Mike McCready

Mike McCready

Na conversa, Crowe, Eddie Vedder, Mike McCready, Stone Gossard, Jeff Ament e Matt Cameron falam sobre o filme que retrata seus 20 anos de carreira, a relação do diretor com a banda desde os anos 1980; o desafio de filtrar mais de 3000 horas de imagens de arquivo para um longa de duas horas; como foi encontrar raridades que achavam nem existir mais, como o momento em que Vedder e Kurt Cobain resolveram suas diferenças no VMA; e como a banda conseguiu permanecer unida até hoje.

Cameron, foi muito difícil contar os 20 anos de história da banda em duas horas?

Cameron Crowe: Eu fui inspirado por No Direction Home, o documentário de Martin Scorsese sobre Bob Dylan. É um assunto enorme e se passa em um longo período de tempo. E adorei - como fã, conhecedor de música e diretor - a maneira como Scorsese escolheu aquele trecho, examinou as raízes e mostrou como a música nasceu. Me senti tão satisfeito e inspirado que quis ouvir mais Bob Dylan. Isso foi o meu guia, ao fazer este filme. Se nós conseguirmos fazer com que você se sinta da mesma maneira que indo a um show do Pearl Jam ou ouvindo um disco, então estamos bem.

O Pearl Jam usa um setlist diferente todas as noites, mas este filme usa apenas uma seleção de músicas para contar a história. O que você acha disso?

Mike McCready: Eu sinto que as músicas são diversas o suficiente para mostrar como é nosso setlist todas as noites. Em primeiro lugar, o som está ótimo. É isso que você quer em um show, no final das contas. Senti um pouco como se tivesse acabado de sair de um show, mas sem suar. Emocionalmente, sinto que é uma jornada incrível.

O Pearl Jam é uma banda que sempre deixou a música falar por si, e o filme deixa claro que isso é por proteção, entre outras coisas. Stone Gossard e Jeff Ament, já que vocês estavam lá desde o começo, o que foi necessário para que vocês se abrissem com Cameron Crowe nesse filme?

Stone Gossard: Eu acho que o interesse do Cameron em querer fazer isso foi a grande inspiração. Acho que não teríamos concordado com isso, caso todas as peças não se encaixassem perfeitamente. Era uma questão do Cameron estar disposto a olhar todo aquele material e ver se havia uma história a ser contada, ou qual era a história certa a ser contada, ou como isso poderia se tornar um ótimo filme e representar o sentimento que ele tem pela banda. Quando soubemos que ele estava envolvido, tivemos certeza de que tudo ficaria bem. Sem que Kelly [Curtis, produtora] e Cameron tivessem uma visão para o filme, provavelmente demoraríamos mais 20 anos.

Jeff Ament: Nós não temos oportunidade de encontrar Cameron com muita frequência, então foi uma desculpa para ficar com ele um pouco. Isso foi um bônus de todo o processo.

Quando Cameron Crowe apareceu na cena de Seattle no meio dos anos 1980, vocês logo o acolheram?

Cameron Crowe: Primeiro conheci Stone e Jeff. Eu estava pesquisando a ideia de fazer um filme que se passava em Seattle, sobre um grupo de pessoas em que alguns eram músicos. Eu conheci Stone e Jeff e adorei o fato de que eles eram caras que tinham empregos e também tocavam em bandas. Não era como em Los Angeles, em que os caras moravam com as namoradas, que pagavam todas as contas, e eles faziam shows à noite e dormiam o dia todo. Esses caras aqui eram tipo, "Tiro café espresso, faço isso, faço aquilo, e assim ganho a experiência que é bancar o que amo, que é fazer música, comprar instrumentos e tocar". Então eu os conheci e achei que eram um ótimo exemplo de pessoas que amam música e escolheram isso como um propósito na vida, com muita responsabilidade e muita paixão. Adorar a música que eles fazem veio depois de adorá-los como pessoas.

Com tantas imagens de arquivo, teve coisas que vocês viram no filme e que já tinham esquecido?

Jeff Ament: A cena no camarim do show do The Cult, com certeza. É uma das cenas que abre o filme. Na primeira vez que assisti, pensei, "De onde veio isso?". Você tem uma memória, na sua cabeça, que provavelmente já se distanciou daquilo que realmente aconteceu. Conforme o tempo passa, você conta as histórias. E então, de repente, você é levado de volta ao que realmente aconteceu e é chocante. Eu realmente usava aqueles chapéus.

Matt Cameron: Eu usei calças de pijama em um show, e eu nunca uso calças de pijama. Isso foi uma surpresa. Eu só uso shorts.

Eddie Vedder: Quando você é o Matt Cameron, esse é seu ponto baixo.

Revisitando todo esse material, teve alguma coisa em particular que era incrível ou como um Santo Graal?

Cameron Crowe: O Santo Graal foi com certeza o trecho de Kurt Cobain e Eddie, dançando uma música lenta no VMA. Muitas pessoas nem lembram que isso aconteceu. Outras juravam que tinha alguém com uma câmera lá. Então, com a ajuda das pessoas que tinham essas imagens, nós encontramos o filme e é uma cena muito poderosa. É um momento tão sincero, já que aconteceu fora dos holofotes.

Eles estavam envolvidos em muita confusão da mídia, na época [sobre a suposta rivalidade entre os dois vocalistas], e ali tivemos um momento, embaixo do palco, enquanto Eric Clapton tocava "Tears in Heaven", em que Kurt e Eddie puderam estar sozinhos e expressar-se, como pessoas. E o fato de que isso foi registrado em filme é incrível. Nós também tínhamos um milhão de shows que foram filmados, e eles não lançaram quase nada disso. Nós trabalhamos no filme durante muito tempo e chegamos a um ponto em que ligamos e pedimos para fazer umas entrevistas, na casa deles, para que tivessem um clima pessoal, como uma conversa de verdade. E esses caras realmente abriram as portas para nós. E por isso temos tanto material, de tantos aspectos diferentes de suas vidas.

Eddie, o que você lembra daquele momento com Kurt Cobain?

Eddie Vedder: Eu não lembrava muito, mas você vê o Kurt olhar para o lado e fazer um gesto de silêncio. Ele não estava dizendo, "Não conte para ninguém". Era realmente porque, no palco logo acima da gente, Eric Clapton estava tocando "Tears in Heaven", que é uma música bem quieta. E nós estávamos pulando e batendo palmas. Na primeira vez que assisti, fiquei emocionado, acho que simplesmente porque ele sorriu. Você pensa, "Se ele apenas tivesse conseguido superar aquilo".

Talvez seja bom que esse filme tenha acontecido agora. Nós estamos em clima de agradecimento e apreciação uns com os outros há algum tempo. Os últimos anos foram um ótimo período para nós. Você vê a reação da plateia, é tudo feito pela música. É apenas guitarra, bateria e baixo. Ver isso se tornar essa outra coisa, que é um monumento - e não digo isso para me engrandecer - mas é realmente algo para servir de lembrete, para darmos valore saber que temos uma base muito forte para continuar por mais 20 anos.

Como foram os últimos 10 anos e como vocês sobreviveram?

Mike McCready: Com muito cuidado, esforço e conversas. E mantendo os canais de comunicação limpos. Isso ainda é um esforço que fazemos, mas tiramos tempo para encontrar soluções para as coisas que acontecem entre as nossas bandas, se há questões e problemas. Sei que nos amamos, e eu amo tocar com esses caras. Há amor, há compreensão e há comprometimento. Ter todas essas coisas nos ajudou. E houve muita sorte também, e estar no lugar certo, na hora certa.

Cameron, como você acha que este filme se encaixa na sua carreira?

Cameron Crowe: Sempre quis ter a sorte de contar uma boa história e sempre achei a história do Pearl Jam incrível. Vai além de uma história de rock. Na verdade, ela pega a história de rock mais comum e a vira de ponta cabeça. A história de rock padrão tem um pouco de genialidade e então acontece uma tragédia, que a corta pela metade. Então ficamos tristes, que perdemos aquela coisa maravilhosa. Pearl Jam é exatamente o oposto. É uma tragédia que foi superada, e esses caras encontraram alegria na superação e ao estudar o que aconteceu antes deles no rock. De certa maneira, é uma história difícil de se contar porque tem um final feliz, que na verdade nem é um final. É único. Todos esses caras, acho que você consegue perceber, foram muito abertos nas suas entrevistas. No começo, Jeff até comentou, "Espero que role um pouco de terapia de grupo, para que eu possa aprender mais sobre minha banda". Todos nós queríamos contar a história de como a música passou a significar tanto, hoje e amanhã. Eu tenho sorte de ter tido a oportunidade de ajudar a contar esta história.

Jeff, teve terapia de grupo? O que você aprendeu?

Jeff Ament: Ouvindo o Mike agora há pouco, sobre como lidamos com as coisas conversando, percebi que durante os primeiros cinco ou seis anos, não havia muitas conversas. Muitas vezes nós apenas abaixávamos a cabeça e seguíamos em frente. Não me lembro de muitas conversas sobre o que estávamos passando porque, na época, não tínhamos consciência do que estávamos passando. Essa é a beleza de assistir a esse filme e tentar entender esses primeiros cinco a dez anos. Eu estava curioso para ouvir o Stone dizer, "Eu não quero mais estar em uma banda". E tudo isso é bom, porque quando tudo aquilo estava acontecendo, estávamos conversando sempre. Fazíamos um passeio de bicicleta todos os dias, depois que o Andy [Wood, vocalista do Mother Love Bone, banda anterior de Gossard e Ament] morreu e ficávamos juntos durante umas duas ou três horas, mas não falávamos muito sobre isso. Então foi ótimo para ver o que sentimos pelos outros. Acho que ocasionalmente falamos, mas somos homens.

Cameron Crowe: Eles tiveram que arrancar esse filme das minhas mãos. Poderia facilmente ter virado Pearl Jam 22, ou 23. Eu pensei, "Droga, tive uma ótima oportunidade de fazer uma pergunta para o Eddie e deixei escapar".

Então faça agora.

Cameron Crowe: Ok. Quando você estava no avião, indo de San Diego para Seattle, pela primeira vez, o que estava pensando? Você achava que ia dar certo?

Eddie Vedder: Eu estava pensando, "Meu Deus, estou em um avião!". Eu me ofereci para ir dirigindo. "Quem são esses caras que podem bancar uma viagem de avião?". E então, eu provavelmente pensei, "Não estrague tudo!". Peguei uma lâmina de barbear, na época em que você podia levar isso em aviões, e fiz uma colagem louca. Eu estava empolgado para tocar. Já tinha estado em algumas bandas. Normalmente você tenta escrever alguma coisa, ou toca covers, e tenta resolver tudo estilísticamente, mas nunca senti que era real. Nunca parecia que não era altamente derivado de outro grupo. Quando ouvi as músicas que Jack Irons [baterista] me enviou, que era a demo instrumental tocada pelo Matt Cameron, eu simplesmente ouvi algo que nunca tinha ouvido antes. Tive a oportunidade de fazer parte daquilo e não sabia o que iria acontecer, achei que ficaria uma semana em Seattle.

Neste momento da sua carreira, como você vê os próximos dez anos? O que você acha que estará fazendo?

Eddie Vedder: Acho que estarei fazendo a mesma coisa, só que melhor. Acho que vamos só melhorar, e talvez tentar ir além de nossos limites, musicalmente. Não nos vejo parando. Acho que nenhum de nós vê um fim. Todos estão fazendo coisas fora da banda também, o que eu acho muito saudável. Então, quando nos encontramos, estamos empolgados em estar de volta. Algumas bandas lançam um disco, entram em turnê durante dois anos e meio e depois precisam tirar mais dois anos de férias, porque não querem se ver, ou estão exaustos. Não sabemos bem o que estamos fazendo, mas parece estar dando certo. Não é que temos uma fórmula, mas temos algo que conhecemos.

Olhar para o passado preparou vocês para seguir em frente?

Jeff Ament: Sim. Como ficamos envolvidos nesse filme durante os últimos meses, tínhamos pouco tempo de folga. Tínhamos algumas semanas e separamos metade deste tempo para ir ao estúdio e gravar algumas músicas novas. E isso nos lembrou da tarefa em mãos e do nosso rumo. A coisa mais divertida agora é simplesmente estar na mesma sala que esses caras e tocar. É ótimo.

Cameron, você teve algum momento meio Quase Famosos, em que ser fã atrapalhou o filme?

Cameron Crowe: Essa é uma boa pergunta. O que eu queria fazer era usar o fato de que eu os conheço há algum tempo, para que as entrevistas parecessem conversas de verdade. Então eu acho que conhecendo eles e tendo convivido durante anos, pude levantar um espelho e mostrar a eles o que eu vejo, como alguém que teve a oportunidade de observá-los durante muito tempo. Eu sou grato pelo fato de que eles confiaram em mim para permitir que eu mostrasse esse espelho a eles. Este caso é diferente [de Quase Famosos], mas eu queria mostrar o sentimento de como seria estar dentro daquela banda, ao invés de estar olhando de fora para dentro.

Ter usado a banda em Singles - Vida de Solteiro, e o incidente da festa promocional mudou sua relação com a banda?

Cameron Crowe: Graças a Deus, não. Eu fiquei com tanta vergonha na festa do Singles, devo admitir. Só pelo fato de que tive que pedir e implorar, dizendo, "Por favor, venham fazer esse show. Eles não vão lançar o meu filme se vocês não tocarem". Cheguei no Lollapalooza e eles já sabiam que eu estava chegando para implorar.

Eddie Vedder: Ele não sabia que seria tão vergonhoso.

Cameron Crowe: Sinto que posso falar com esses caras sobre tudo e nunca mencionamos isso, em 20 anos. Então, quando fiz as entrevistas, eu mencionei isso, com câmeras. Nesse momento Eddie olhou para mim e disse, "Ah, ótimo, agora nós vamos falar da festa do Singles, com uma câmera aqui". Esse momento foi catártico para mim, devo dizer.

Stone Gossard: Acho que te devemos um pedido de desculpas. O fato é que aquele era o seu momento, outras pessoas teriam dito, "Vocês são uns filhos da mãe! Esta é a minha chance. Será que vocês poderiam largar a tequila por mais uma hora, antes de tocar? Apenas digam algumas coisas legais e façam o show!".

Cameron Crowe: Adoro que agora nós estamos realmente falando sobre isso. A ideia original era um set acústico. Então lembro que, em certo momento, Stone veio falar comigo. Ele já estava percebendo a avalanche que estava prestes a acontecer e disse, "Acho que vamos fazer um set punk rock". E foi assim. Mas, devo dizer que ninguém morreu.

Eddie Vedder: Isso ficou ótimo no filme.

Cameron Crowe: Funciona no filme. 20 anos depois, tudo deu certo, mas na época, foi um dilema. Não queria ser um daqueles caras que, depois que a banda começa a estourar, vem pedindo favores. Mas adoro o jeito que Stone fala disso no filme, então contextualizamos.

Eddie, o que você acha da fama agora?

Eddie Vedder: O que você precisa entender é que na época era tudo diferente. Não sei como as pessoas conseguem, hoje em dia. Não sei como esse pessoal mais novo, que tem toda a atenção da mídia, lida com isso. A mídia agora é mais intensa. Paparazzi e tudo isso é algo que nem consigo imaginar. O que tivemos na época já foi demais para mim. Mesmo como escritor, você não pode entrar em uma situação e observar, porque você é que está sendo observado. Não estou reclamando disso há 20 anos, só estou falando porque você perguntou. Nós tínhamos que encontrar jeitos de lidar. Se você está passando no canal de música, está dentro da casa das pessoas diariamente e precisa se responsabilizar por isso. Foi uma questão de ajustar isso até um nível com o qual conseguíamos lidar e foi tudo positivo.

Por outro lado, teve também as fotos do acidente de carro, com a mulher dentro do carro dela, toda ensanguentada. Foi no dia do Grammy Awards. Minha vida estava confusa e tudo que eu pensava era, "Que merda está acontecendo aqui, como vamos sobreviver isso? O que vai acontecer agora?". Atualmente estou orgulhoso que todos temos vidas normais em que podemos viver da maneira que queremos, como pais e como parte de uma comunidade. Somos muito gratos às pessoas que ouviram nossa música, durante esses anos. Eles parecem respeitar [nossa privacidade], permitindo isso para nós também. Nós não poderíamos ter feito isso sem eles.

Pearl Jam Twenty foi exibido em sessão única em vários países no dia 20 de setembro. A emissora estadunidense PBS estreia o documentário em 21 de outubro e o lançamento em DVD está marcado para o dia 25 de outubro.

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