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As Panteras - 40 anos | O sucesso cercado de preconceito da franquia

Belas, bem-vestidas e eficientes, as detetives dominaram a TV nos anos 70 e mostraram como um elenco só de mulheres podia sim fazer sucesso

22.09.2016, às 15H35.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H44

A confusão em torno do elenco feminino de Caça-Fantasmas (2016) mostrou que muita gente esqueceu um detalhe importante. Um elenco feminino no combate às forças do mal já esteve entre nós e fez muito sucesso, embora também não tenha faltado controvérsia em 1976, quando As Panteras (Charlie's Angels) estrearam combatendo o crime e conquistaram o mundo sem tirar um fio de cabelo do lugar.

Produzida por Aaron Spelling e Leonard Goldberg, As Panteras foi mais um da longa lista de programas no currículo da dupla que dominou a TV durante as décadas de 70 e 80, com séries como Starsky & Hutch - Justiça em Dobro, O Barco do Amor, S.W.A.T., Ilha da Fantasia e Casal 20 além de longas como O Garoto da Bolha de Plástico, que lançou a carreira de um rapaz chamado John Travolta.

A ideia original era opor três lindas detetives aos investigadores amarfanhados de séries policiais como Baretta ou São Francisco Urgente. A série se chamaria The Alley Cats, Gatas do Beco em tradução livre, e as personagens principais seriam Alison, Katharine e Lee que eram recrutadas por um misterioso chefe chamado Harry que nunca seria visto, apenas ouvido em uma ligação telefônica, e combateriam o crime com muito charme e leveza. A ideia foi apresentada a Barry Diller e Michael Eisner, na época gestores da rede ABC, que animadamente rotularam o projeto de "a pior ideia que já ouvimos".

The Alley Cats teria ido morrer no poço de projetos inanimados nos porões de Hollywood - não fosse um cheque de US$ 25 mil. Parte de um acordo entre Spelling e Goldberg com a ABC envolvendo o longa Ensina-me a Esquecer, o valor deveria ser pago aos dois produtores pelo roteiro de um piloto. Com o prazo para a produção chegando ao fim, Goldberg negociou com Eisner a entrega do roteiro em troca dos US$ 25 mil devidos pela ABC. O trabalho foi encomendado a Ivan Goff e Ben Roberts, indicados ao Oscar de roteiro por O Homem das Mil Caras.

Elenco

Como acontece com frequência, ocorrências inesperadas tiveram sua dose de influência na série. Uma delas foi a troca do ator que interpreta Charlie. Na série, a voz do misterioso chefe das Panteras pertence a John Forsythe, mas o ator contratado para o papel era na verdade Gig Young, vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante por A Noite dos Desesperados. O problema é que no dia da gravação, Young apareceu no estúdio alcoolizado, obrigando Spelling a recorrer a um amigo para conseguir finalizar o piloto que deveria ser apresentado à ABC no dia seguinte. Segundo as lendas da série, Forsythe saiu da cama às pressas no meio da noite para atender ao pedido e fez sua primeira gravação como Charlie de chinelos. O esforço rendeu a Forsythe cinco temporadas como a voz oficial de Charlie.  

Envolvida na produção desde os primeiros estágios, Kate Jackson já havia trabalhado com Spelling e Goldberg em Os Novatos, série sobre um grupo de jovens policiais em início de carreira. Foi dela a ideia de trocar o nome da série, sugerindo Harry's Angels, já que o nome do chefe misterioso era inicialmente Harry, mas a produção decidiu evitar que o público confundisse o novo programa com outra série, Harry O, rebatizando o personagem Charlie. Foi também um pedido da atriz trocar de personagem, deixando o papel de Kelly para interpretar Sabrina, a Pantera "inteligente".

Conhecida por sua participação em Fuga do Século 23 e por ser esposa de Lee Majors, estrela de O Homem de Seis Milhões de Dólares, Farrah Fawcett foi escolhida para ser a Pantera "esportiva", Jill Munroe. Depois de fazer testes para interpretar Sabrina, Jaclyn Smith foi escolhida para ser Kelly, a Pantera "malandra", com David Doyle completando o elenco como Bosley, o assessor de Charlie. A escalação, a maior experiência e o envolvimento de Kate Jackson nos bastidores deixavam claro o status das atrizes na série, mas uma sessão de fotos não planejada mudou tudo.

Incidente de sucesso

Amigo de Farrah Fawcett, o fotógrafo Bruce McBroom foi contatado no final de 1975 por um comerciante de Cleveland. O contato queria vender fotos das atrizes da nova série vestindo biquínis, mas somente Farrah Fawcett havia concordado com o plano, sob a condição de que as fotos fossem feitas por McBroom. O fotógrafo foi até a casa de Farrah e fez várias imagens, entre elas uma série com a atriz vestindo um maiô vermelho. Quando a imagem escolhida foi colocada à venda, o pôster atingiu a marca assustadora de 22 milhões de unidades espalhadas por quartos adolescentes em todo o mundo, transformando o corte de cabelo da atriz em visual obrigatório e Fawcett em estrela antes mesmo da estreia.

Exibida nas noites de quarta-feira, o que um dia havia sido rotulado de "a pior ideia já ouvida" e havia sido muito mal avaliada em grupos de teste, explodiu. Críticas favoráveis apontavam o quase inédito elenco feminino - Police Woman, a primeira série de horário nobre protagonizada por uma mulher, havia estreado apenas dois anos antes - as habilidades que capacitavam as detetives a derrotarem os criminosos semana após semana, o companheirismo das personagens, mais comum na ficção em grupos masculinos do que femininos.

No lado oposto, em busca de audiência, a produção não poupava quantidades generosas de pele à mostra, o que rendeu à série a classificação de "Jiggle TV" ou "Tits & Ass Television" - TV Treme Treme ou TV Peito e Bunda em tradução livre -, termos cunhados por Paul Klein, executivo da adversária NBC. Em um dos episódios, a personagem de Farrah Fawcett trabalha disfarçada como modelo de uma revista masculina, investigando um clube ao estilo da Mansão Playboy. Mais do que uma história, o enredo replica o trabalho da jornalista Gloria Steinem, que nos anos 60 infiltrou-se em um Clube Playboy para escrever uma matéria sobre o trabalho das famosas Coelhinhas de Hugh Heffner, revelando os baixos salários e o abuso moral ao qual as moças eram submetidas. O próprio Charlie é comparado ao dono da Playboy por aparecer cercado de belas mulheres nas poucas cenas que o mostram sem revelar a sua identidade.  

Nada disso afetou a audiência do programa, nem mesmo a saída das atrizes. Descontente com o trabalho e disposta a uma carreira no cinema numa época em que isso ainda significava evolução para melhores papéis, Farrah Fawcett deixou a série ao final da primeira temporada. A saída terminou num processo judicial com os produtores que exigiu seis participações da atriz nas duas temporadas seguintes. Na terceira temporada foi a vez de Kate Jackson deixar o elenco. Selecionada para estrelar Kramer vs. Kramer ao lado de Dustin Hoffman, a atriz perdeu o papel porque a ABC não aceitou liberá-la ou alterar sua agenda de filmagens. O papel acabou indo para Meryl Streep, que levou um Oscar pelo trabalho.

Somente Jaclyn Smith ficaria até o final da série, na quinta temporada. Spelling chegou a propor uma versão masculina da série, Toni's Boys, com Barbara Stanwyck como uma rival de Charlie e chefe de seu próprio time de agentes, que incluiria um peão de rodeio e um atleta. Uma nova tentativa de reviver a série foi feita em 1988 e adiada para 1989 devido a uma greve do sindicato dos roteiristas. Finalmente, uma nova versão estreou em 2011, mas não passou de quatro episódios. A versão para o cinema deu mais certo em 2000, mas a sequência não foi tão bem. Ícone do poder feminino ou TV peito e bunda, As Panteras são mesmo um produto dos anos 70.