White Lines/Netflix/Divulgação

Netflix

Crítica

White Lines - 1ª Temporada

Nova série do criador de La Casa de Papel combina a luxúria descolada de Skins com o drama das novelas hispânicas para discutir felicidade ao passar dos anos

01.06.2020, às 17H50.

Quando La Casa de Papel estourou na Netflix, mesmo meses após ter sido exibida na TV espanhola, ninguém esperava um sucesso global daquela escala. Nem mesmo o criador e roteirista Álex Pina. Agora, após quatro temporadas de seu trabalho mais prestigiado, ele cria outra obra em parceria com o serviço de streaming, mas dessa vez já pensando em levá-la ao mundo todo.

White Lines acompanha Zoe (Laura Haddock), uma britânica forçada a encarar traumas do passado quando o corpo de seu irmão Axel (Tom Rhys Harries) é encontrado, 20 anos após o seu desaparecimento em Ibiza. A moça, então, parte para a cidade espanhola para investigar o possível assassinato, e lá percebe que o estilo de vida do falecido e seus amigos, repleto de música e drogas, pode indicar que algo está faltando no seu próprio dia a dia.

A série é bastante focada no choque cultural entre os ingleses e os espanhóis, mas isso não se limita à narrativa. O contraste molda todo o programa. Para mostrar Axel e seus colegas indo do mundo das house parties no Reino Unido para o luxo das festas em Ibiza, o seriado adota uma abordagem descolada e moderna, quase como Skins. Já para demonstrar a passagem do tempo, e o que os festeiros se tornaram 20 anos depois, vai para um lado mais novelesco, com drama e pitadas de humor. A combinação funciona, e cria uma variedade de tons que casa muito bem com a trama, já que ajuda o espectador a entender como o grupo de personagens se sente: o ápice de suas vidas veio cedo, e já passou. Sobra apenas o resto agora.

Enquanto La Casa de Papel já trazia elementos Hollywoodianos em um drama de novela hispânica, aqui parece que Álex Pina está bastante consciente do apelo global da plataforma, e experimentou escrever fora dos padrões e vivência espanhola que permeia seus outros trabalhos. Isso fica ainda mais visível na fotografia, que complementa o tom multicultural ao dar um ar de Miami para Ibiza.

O resultado é bastante sólido, mas peca pela ambição desgovernada. É bom que White Lines tenha camadas, e que vá além de seu mistério principal. O problema todo é continuar usando-o de muleta mesmo quando fica claro que o restante desse universo é muito mais interessante. Nada deixa isso mais claro do que Zoe. Faz sentido que a protagonista comece como alguém sem sal, mas isso não muda ao decorrer dos episódios, mesmo que a série insista no contrário através da sua narração. A personagem, que praticamente abandona sua família para se descobrir em Ibiza, tem conflitos bastante pertinentes, mas sua exploração pessoal é fraca e fica apagada ao lado de arcos mais redondos e personagens mais vivos.

Marcus (Daniel Mays) por exemplo, um dos melhores amigos de Axel, tem uma jornada de crescimento mais impactante ao ter de lidar com traumas do passado, um divórcio mal superado e também os vários esquemas ilegais que está envolvido. A Família Calafat, ricos que controlam as boates da cidade, também conquistam pela excentricidade e problemas bizarros. Eventualmente Zoe forma uma dupla de investigação com Boxer (Nuno Lopes), guarda-costas do Calafat. Enquanto a dinâmica dos dois funciona bem, não ajuda que a protagonista é colocada ao lado de alguém tão mais interessante que ela, com conflitos pessoais entre sensibilidade e brutalidade, demonstrados de forma natural e importantes para seu desenvolvimento.

Zoe parece secundária na própria história, e mesmo o arco central do assassinato parece caminhar sem que ela seja necessária. Em certo ponto, um personagem pergunta a ela: “O que você veio fazer em Ibiza mesmo?”. Naquele ponto, na reta final da temporada, nem o espectador sabe mais como responder isso.

No fim das contas, o saldo é positivo. O cenário paradisíaco é tomado por certo cinismo da narrativa, que afirma não haver fórmula correta para a felicidade. Aqueles que aproveitaram a juventude ao máximo cresceram cercados de intrigas, segredos e dores não resolvidas, enquanto quem optou por uma vida mais segura nutre vários arrependimentos. Com tantos personagens diferentes, fica cada vez mais visível que o que os liga não é o assassinato, mas sim como nenhum deles está onde queria estar.

A série tem um mistério intrigante e um universo bem construído, mas peca pelo excesso ao tentar dar o mesmo palco para ambos, e também pela fraqueza de sua protagonista. O programa nunca se torna tedioso; Muito pelo contrário, mantém o espectador ligado nas reviravoltas, estilo e humor. Mas não há o suficiente aqui para mais uma franquia. Álex Pina é conhecido por saber usar bem o formato televisivo, amarrar temporadas de formas redondas e impactantes, e depois retomá-las mesmo quando não há mais material a ser explorado. Foi assim com La Casa De Papel, e provavelmente é o que acontecerá com White Lines.

Nota do Crítico
Bom