Toy Boy/Netflix/Divulgação

Netflix

Crítica

Toy Boy - 1ª temporada

Nova série espanhola da Netflix é boa para entreter, mas não vai além disso

26.03.2020, às 19H19.
Atualizada em 27.03.2020, ÀS 09H50

Como é possível explicar que, num período de apenas quinze dias, Estados Unidos, Brasil, Argentina, Índia e México colocaram Toy Boy entre as dez séries mais vistas do Netflix? Mais importante: precisamos dessa explicação? Sempre que um fenômeno de audiência chega na mídia, começam os artigos que tentam explicar como esse fenômeno aconteceu, iniciando-se uma análise apurada de como a audiência tem se comportado nos últimos anos. De fato, o sucesso de Toy Boy, La Casa de Papel, Vis a Vis, Elite e As Telefonistas (todas espanholas) deve-se a um fator que nunca foi modificado por nenhum vetor temporal. A grande maioria das pessoas não procura por complexidades quando se senta para ver TV; e uma vez condicionadas a isso, passam a absorver muito mais facilmente todos os produtos que seguem essa natureza.

Nos anos 80 havia uma expressão usada pela imprensa para falar sobre esse tipo de produção: enlatados. Como a televisão era tomada de séries procedurais (aquelas com histórias que se resolvem todas no mesmo episódio), toda vez que havia um buraco na programação da nossa TV aberta, um desses “enlatados” ocupava a posição. E era como comida congelada mesmo. Não tinha o mesmo sabor apurado da cozinha fresca, mas servia aos propósitos emergenciais. E demorou muito para que as redes entendessem que precisávamos das duas coisas, justamente porque existem dias em que precisamos de uma “refeição” com mais substância.

A história de Toy Boy é muito comum. O stripper Hugo (Jesús Mosquera) tem tudo que a juventude pode lhe oferecer: sexo, dinheiro, festas... Mas, tudo isso vai para o espaço quando ele se envolve com uma mulher mais velha e poderosa chamada Macarena (Cristina Castaño). Uma noite, depois de muita bebedeira e sexo grupal, ele acorda num barco em chamas e é acusado do assassinato do marido dela. Hugo não se lembra do aconteceu, só que não é culpado. Mesmo assim, ele passa sete anos na cadeia e quando sai, precisa provar sua inocência e descobrir a conspiração que envolve essa fatídica noite. Para isso ele conta com a ajuda da advogada Triana (María Pedraza). Um traço peculiar e emblemático de como funciona a mente dos envolvidos nessas produções é que Maria Pedraza foi escalada para ser uma advogada mesmo tendo passado recentemente por La Casa de Papel e Elite. Ela não imprime a força necessária para o papel, mas é um rosto jovem e bonito, como quase todos os que compõem esses elencos.

Essa fácil premissa está fundamentada no entorno do protagonista. É bastante evidente que a escolha da profissão de stripper também teve raízes comerciais, já que a história seguiria sozinha mesmo sem isso. Cada vez que Hugo precisa ir atrás de um suspeito ou conseguir uma prova, o time de rapazes se une para dançar e distrair os presentes. Contudo, esse pano de fundo permite que os roteiros transitem pela erotização a cada duas cenas. O acerto está no fato de que dessa vez é o homem quem está sendo objetificado, embora haja algumas suspeitas de que esse resultado tenha sido mais orgânico que calculado. A visão dos criadores é tão limitada que eles chegam a repetir o clichê latino da idosa malvada com nome bonzinho (aqui o nome é Benigna) que aparece em quase toda novela mexicana do mercado.

Broken Toy

No que diz respeito a forma como a história se desenvolve, o problema é o tempo. São treze episódios com mais de uma hora cada um. Segurar um mistério por tanto tempo é quase impossível e, para justificar tanto tempo de tela, os episódios vão se passando com viradas rocambolescas que só complicam a história. Tramas são inseridas e abandonadas e lá pelo meio do caminho, Hugo perde completamente seu destaque para a saga de Andrea (Juanjo Almeida) que, junto com Jairo (Carlo Constanzia) têm mínimo de desenvolvimento dramático. Jairo se comunica em linguagem de sinais e isso também é bem positivo para a produção. Hugo fica indo de uma investigação para a outra, sempre metendo os pés pelas mãos e com zero expressividade. A tirar pelo seu intérprete (que até 2018 era jogador de futebol), isso é justificável.

Não existe nada de condenável em tratar a televisão apenas como meio de escape. Muitas pessoas preferem ir buscar profundidade em filmes, livros, canções... E essas pessoas precisam e merecem opções de consumo. O que acontece é que a produção seriada espanhola descobriu um filão, desvendou a fórmula que pega traços das narrativas norte-americanas e a usa para criar títulos que não tem nenhuma identidade nacional, mas que captam a atenção do público imediatamente. É claro que há séries que conseguem fazer isso com mais apuro, mas os méritos de entretenimento de todas essas produções citadas precisam ser reconhecidos.

Nosso papel aqui, contudo, precisa atravessar essa fronteira. Toy Boy funciona por todos os motivos citados e é uma série questionável também por causa de todos eles. O sexo, o mistério criminal, as reviravoltas esdrúxulas, tudo isso compõe a receita das produções espanholas que chegam no streaming e quando isso acontece, acende um alerta vermelho: é o público que perde quando tudo passa a ser menos arte e mais indústria. Os fenômenos de Crepúsculo e 50 Tons de Cinza provam isso. Depois que La Casa de Papel deu certo, começou um bombardeio desvairado de produções apoiadas nas mesmas bases, que são bons para entreter, mas que não oferecem mais nada além disso. Toy Boy é um “enlatado” dos anos 80, cheio de verniz contemporâneo e nenhuma pretensão. Se sua fome é para congelados, sirva-se.

Nota do Crítico
Regular