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Crítica

The Circle Brasil

Versão brasileira do reality britânico supera os antecessores com muito mais drama e competitividade

28.03.2020, às 09H53.
Atualizada em 29.03.2020, ÀS 12H50

O anúncio de que a Netflix produziria uma edição brasileira do reality The Circle foi a confirmação de que o formato britânico havia encontrado seu sucesso. Depois de uma primeira temporada discreta na Inglaterra, em 2018, a versão original do programa alcançou status em seu segundo ano, quando passou a ser filmada na mesma locação e nos mesmos moldes que fizeram parte da versão US e da versão brasileira, filmadas uma depois da outra, ainda em 2019, lá na terra da Rainha. De baixo custo e com uma estrutura toda já pronta, o formato pode se revelar tão bem sucedido quanto títulos como o Big Brother e o The Bachelor.

Apesar das versões britânica e americana terem boas doses de drama e entretenimento, a edição brasileira chamou a atenção com participantes muito focados no jogo de popularidade, o que foi bastante positivo, já que principalmente entre os participantes dos Estados Unidos a necessidade de pintar uma personalidade bem quista pelos demais foi um pouco maior do que o necessário. Ainda temos, mesmo aqui, um discurso afetado cheio de “frases de efeito e hashtags xexelentas”, tudo promovido pela ciência de que tudo está sendo registrado. Mas, o melhor do The Circle é que temos acesso a quem eles são por trás dos perfis, o que acaba revelando muita coisa.

O programa consiste numa disputa de impressões. Presos cada um em seu apartamento, os participantes só se comunicam por uma rede social chamada The Circle, em que os perfis criados por eles podem ou não ser verdadeiros. A cada pequeno período de horas, geralmente um dia, eles precisam criar um ranking de popularidade baseados em quanto interagiram até ali. Os dois primeiros colocados do ranking viram influencers e podem eliminar – ou bloquear – alguém do Circle. A grande sacada está no fato de que o eliminado pode visitar um dos outros competidores antes de ir embora, o que causa uma imensa expectativa em como reagirão os colegas diante da verdade sobre o excluído.

A linha de chegada dá R$ 300 mil ao vencedor e também o título de mais popular do jogo. O primeiro time, aquele que chega logo na estreia, foi formado por Marina (que mentiu sobre a idade), JP (um bombeiro que foi sincero em tudo), Dumaresq (homossexual defensor da diversidade e da identidade, que também não mentiu no perfil), Julia (que na verdade era um “tiozão” cuteleiro casado e inconveniente), Lorayne (que foi sincera no perfil), Akel (que disse que era médico e não aguentava nem ver sangue), Lucas (que escondia a Paloma, uma lésbica muito mais interessante que ele), Ana Carla (uma modelo que foi honesta na descrição, mas errou a mão na foto retocada) e Gaybol (um gamer que também não ocultou nada sobre si mesmo).

Porém, para que a rede não ficasse desfalcada demais, a cada eliminação outro participante era colocado no jogo. Isso nos levou a conhecer Luma (que na verdade era administrada pelos gêmeos gays Lucas e Marcel), Ray (que não tinha muita pesonalidade na sua versão virtual), Ana (que era Raf, o grande provocador do jogo) e Renan (que foi o último a entrar e ficou muito pouco tempo dentro da dinâmica). A escolha desse elenco, de certa forma, repetia os padrões, colocando homens sarados aparentemente superficiais, nerds, homossexuais masculinos afeminados e também heteronormativos; lésbicas, meninas plus size e pessoas mais velhas. A dupla de mãe e filho que vemos na versão americana, por exemplo, só foi substituída pelos gêmeos.

#Gratluz

A descrição dos participantes, inclusive, monta um sistema de diversidade que provavelmente é o maior ganho de The Circle. Cada segundo de Dumaresq na tela é, de certa forma, um pouco político. A auto-estima e segurança de Marina, sendo uma mulher plus-size, segue pelo mesmo caminho. É interessante notar que mesmo no universo de superficialidade da internet, quando chegam ao The Circle, os participantes hesitam a qualquer sinal de retoque, de mascaramento. Eles ainda não estão sendo totalmente sinceros (impressionante como quase nunca escrevem na rede o mesmo que estão dizendo em voz alta no apartamento), mas existe uma preocupação em incentivar autenticidade que é, em alguma instância, saudável para o mundo aqui fora. A diferença é que no mundo privado, os fakes são feitos para esconder inseguranças e no programa, são feitos para jogar.

Enquanto na versão americana os participantes que entravam depois do jogo já iniciado eram rejeitados pelo time original, na versão brasileira a dinâmica de reinclusões funcionou bem melhor. No The Circle US nenhum participante tardio conseguiu chegar até a final. No Brasil, dois conseguiram. O problema maior dessa diretriz, em qualquer uma das versões, é a insistência em ainda inserir gente no jogo no episódio 9, quando faltam apenas três para o fim. Se aproximar das pessoas nesse período é praticamente impossível e o participante já chega condenado à eliminação. Aquele que entra no episódio 7 já tem dificuldades, imagine chegar com a competição a menos de 48 horas do fim?

O desenvolvimento do jogo tem muitos momentos do melhor e mais puro entretenimento. É divertido ver como alguns deles são muito divertidos nas suas versões reais, mas completamente desinteressantes nos perfis, como Paloma (que entrou como Lucas) e Lucas e Marcel (os gêmeos que criaram Luma). É muito comum, inclusive, que o público torça para as pessoas reais, tendo dificuldade de separa-las dos perfis, que eram, na verdade, a única coisa que os outros viam. Participantes como Julia mostravam como não é nada fácil fingir ser mulher, já que Rob, seu intérprete, tinha um humor e uma inconveniência típicas de um machão. Mas, sem dúvida, Raf (que fingia ser Ana) foi a estrela da edição, com tiradas genias sobre a dinâmica do jogo e sobre os colegas. O desmascaramento da demagogia reinante promovido por ele está nos pontos altos da temporada. Assim como as impressionantes jogadas de JP, que provou que beleza e esperteza andam sim juntas.

Com uma apresentação não tão espirituosa quanto a da narradora americana, Giovanna Ewbank conduziu o primeiro ano de The Circle muito corretamente e a escolha do vencedor demonstrou uma inconsciente priorização do ser em detrimento do ter. Foi uma vitória importante em muitos aspectos e que, quem sabe, não pode influenciar positivamente a batalha contra os malefícios do catfish.

A primeira temporada está esperando vocês no Netflix, onde a versão americana também está disponível. O The Circle França, inclusive, chega à plataforma em abril.

Nota do Crítico
Excelente!