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Crítica

Sex/Life quer ser 50 Tons de Cinza consciente, mas tem coração conservador

Thriller erótico da Netflix quer ser contemporâneo e trash ao mesmo tempo

27.06.2021, às 19H30.

A nossa era de entretenimento consciente criou um fenômeno curioso na cultura pop: algumas produções, localizadas em subgêneros e nichos tradicionalmente voltados para o trash e o kitsch, estão buscando subverter clichês que são considerados (normalmente, com razão) nocivos por sensibilidades contemporâneas, mas ao mesmo tempo servir os prazeres superficiais que, não por coincidência, fizeram títulos anteriores do mesmo nicho funcionar.

Os americanos chamariam isso de “trying to have your cake and eat it too”, frase intraduzível que expressa que é impossível fazer duas coisas conflitantes ao mesmo tempo.  Mas isso não impede Sex/Life, série lançada pela Netflix na última sexta-feira (25), de tentar - com resultados, em grande parte, desastrosos.

A criação da roteirista Stacy Rukeyser (UnREAL) acompanha Billie (Sarah Shahi), que começa a fantasiar sobre as noites de sexo quentes com o ex-namorado, Brad (Adam Demos), quando o seu casamento com Cooper (Mike Vogel) entra em uma fase para lá de morna. O surto de nostalgia vira um problema quando, em uma bela manhã, Cooper acaba lendo o diário onde Billie registra todos os seus devaneios.

Durante os oito episódios da primeira temporada de Sex/Life, Rukeyser se esforça para criar um thriller erótico adequado para a consciência do espectador de 2021. Ela acerta, por exemplo, ao fazer de sua protagonista uma mulher próxima da meia-idade, mãe de dois filhos, em plena fase de lactação durante a história. A libido de mulheres nesta faixa de idade e nesta fase da vida raramente é mostrada nas telas, e Sex/Life é valiosa por naturalizá-la.

Rukeyser e seu time de diretoras também acertam na mosca ao reestruturar as cenas de sexo da série para focar no prazer feminino. Por décadas, o entretenimento +18 de Hollywood foi centrado na experiência masculina do sexo e, mais especificamente, da sensualidade. Clássicos como Instinto Selvagem e Dublê de Corpo e produções mais recentes, como Cinquenta Tons de Cinza e 365 Dias, priorizam o prazer do homem, mesmo com sua grande base feminina de fãs.

As cenas quentes de Sex/Life, enquanto isso, posicionam sempre que o sexo em que a mulher não é ouvida e contemplada em seus desejos é um sexo ruim - e a série, apesar da aura de show de erotismo barato, tem muitas dessas cenas de sexo ruim. Elas estão aqui como contraponto, e como discurso, para mostrar que uma abordagem do sexo em que um dos parceiros está lá apenas para satisfazer o próprio ego e a própria necessidade fisiológica não tem nada de sensual.

Caso se contentasse com esses pequenos (mas, no contexto cultural, importantíssimos) ajustes à fórmula estabelecida do thriller erótico, Sex/Life poderia ser um bom entretenimento. Difícil reclamar de uma série que serve um monte de gente linda em estados variados de nudez por pelo menos 50% do tempo de tela, né? Bom, fica mais fácil quando ela tenta, de forma desajeitada e despreparada, olhar de forma honesta para os relacionamentos obviamente disfuncionais em seu centro.

Isso porque, assim como todas as relações “quentes” desse tipo de história, a dinâmica entre Billie e o ex é desconfortavelmente próxima de um relacionamento abusivo. Em certo flashback, a protagonista diz ao então namorado que tem medo dele, e é difícil não dar razão a Billie. Brad, como a série o mostra, é imaturo e instável, manipulador e imprevisível, capaz de machucar a mulher que diz amar, só para depois banhá-la de fofuras e elogios - procedimento clássico do namorado abusivo.

Ao mesmo tempo, Cooper não é de fato um bom marido. Mesmo quando ele tenta “salvar o seu casamento” após ler o diário de Billie, buscando apimentar a relação e agradá-la mais na cama, a sensação que fica para o espectador, nas cenas escritas pelo time de roteiristas e na atuação astuta de Vogel, é que ele está fazendo isso para restaurar o seu orgulho de machão, e não para fazer a esposa feliz.

Sex/Life parece querer mostrar tudo isso - as cenas em que essas dinâmicas ficam sob os holofotes deixam pouco espaço para outras interpretações -, mas contraditoriamente reforça, o tempo todo, o quanto Brad é irresistível (“um deus”, diz Billie em um dos piores momentos da série), e o quanto Cooper é um anjo. No fim das contas, é como se a nossa única antagonista mesmo fosse… Billie.

A personagem passa por um furacão durante os oito episódios da série, e Sex/Life parece nos dizer que a culpa é toda dela - ou, na melhor das hipóteses, que não poderia ser de outro jeito, que ela nunca seria capaz de ter uma relação saudável em que, ao mesmo tempo, o sexo é de qualidade. Sarah Shahi, entregue ao papel como boa atriz que é, não hesita em aparecer descabelada ou em passar episódios inteiros fazendo expressão de quem está sempre à beira do choro. Sua atuação não é o problema, e sim o que é pedido dela pelo roteiro.

Sex/Life se embola tanto em sua busca por contemporaneidade, em sua vontade de reinventar a roda do thriller erótico, que acaba revelando o seu próprio coração conservador. Ironia das bravas, sim - mas péssimo entretenimento.

Nota do Crítico
Ruim