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Crítica

Rebecca

Remake do suspense clássico está mais para Disney que para Hitchcock

21.10.2020, às 14H44.
Atualizada em 21.10.2020, ÀS 14H57

Se o plano de carreira de Ben Wheatley é se tornar o próximo Tom Hooper então Rebecca - A Mulher Inesquecível mostra que ele está no caminho certo. Depois de despontar como diretor de terror nos ótimos Kill List e Turistas, há quase dez anos, e patinar nos primeiros flertes com o cinemão em Free Fire e No Topo do Poder, Wheatley agora encontra para si um lugar no academicismo britânico nesta nova adaptação do romance de Daphne du Maurier.

A perversidade das obras de Du Maurier - que no cinema encontrou um veículo ideal nos filmes de Alfred Hitchcock, que adaptou obras da escritora em A Estalagem Maldita, Rebecca e Os Pássaros -  combina com a tendência ao sadismo que já acompanha Wheatley desde os primeiros terrores. Aqui a vítima é vivida com esmero por Lily James, uma plebeia inglesa que se apaixona pelo viúvo rico Maxim de Winter (Armie Hammer) sem suspeitar que a falecida esposa, Rebecca, ainda joga uma sombra sufocante sobre tudo que cerca a vida do marido.

Quando Hitchcock trocou o cinema inglês por Hollywood com o Rebecca de 1939 - movimento que lhe deu o Oscar de melhor filme no ano seguinte - ele já gozava de prestígio suficiente para adaptar o romance gótico de Du Maurier com grandiloquência. A trama não envereda pelo sobrenatural mas o espectro de Rebecca sempre paira em cena como uma sugestão. Por sua vez, Wheatley dá à “competição” das duas esposas uma cara estilizada que se aproxima mais do fantástico; seu cinema sempre tende, ademais, para as histórias de espiral de loucura.

Os filmes mais bem sucedidos do diretor, como Turistas, são aqueles que encontram uma unidade e um propósito no casamento entre o humor negro e o gosto pela vertigem e pelo descontrole. Aqui Wheatley se mostra mais amarrado nas suas escolhas maneiristas; mesmo nos momentos de delírio, a colagem de planos multicoloridos soa mais artificial do que propriamente estilosa. Talvez a responsabilidade de refilmar Rebecca pese nessa hora, ou a simples tarefa de contar uma história gótica inglesa de época traga consigo essa obrigação da seriedade e da pompa, como aconteceu com A Colina Escarlate de Guillermo del Toro - um filme muito parecido com Rebecca nos seus potenciais de frustração.

Saber que Lily James até pouco tempo atrás era mais conhecida pelo remake de Cinderela contribui para a impressão de que este Rebecca está mais próximo da Disney do que Wheatley provavelmente cogitou de início. As escolhas de enquadramento e fotografia, como o Scope que valoriza paisagens irreais ou as cores saturadas que lembram desenhos animados, colocam o filme numa rota de colisão irreversível, entre os estilemas de Wheatley, a pegada de remake live-action da Disney, o insuportável bom gosto de Tom Hooper e a reverência plastificada ao gótico como em A Colina Escarlate.

Se nos seus melhores momentos os filmes de Ben Wheatley parecem fugir de qualquer controle, talvez isso não seja tão lisonjeiro no caso de Rebecca, um remake de cálculos milimétricos e ao mesmo tempo desgovernado. 

Nota do Crítico
Regular