The Orchard/Divulgação

Netflix

Crítica

O Herói

Filme do diretor de Por Lugares Incríveis tem história tocante e grandes atuações, mas entrega final decepcionante

03.04.2020, às 01H23.
Atualizada em 28.07.2022, ÀS 09H46

O uso descarado de clichês normalmente é um dos principais pontos negativos apontados por críticas de filmes e séries. A repetição de tramas, estereótipos e cenários raramente fica de fora de produções hollywoodianas, grandes ou pequenas, que buscam vender um produto reconhecível e, por consequência, mais comercial aos seus espectadores. Por outro lado, alguns filmes fazem bom uso desses clichês, tendo-os apenas como base para criar uma boa história.

O Herói, filme de 2017 disponível na Netflix, conta a história de um decadente ator de faroestes, que, graças à sua inconfundível voz, ganha a vida narrando comerciais de condimento. Quando descobre que tem câncer, o personagem decide reatar os laços com a filha, além de tentar, de diferentes maneiras, retomar sua carreira.

Dirigido por Brett Haley (Por Lugares Incríveis), que também assina o roteiro ao lado de Marc Bash (Reaprendendo a Amar), o filme inicialmente parece seguir um caminho semelhante ao de Nasce Uma Estrela, do próprio Reaprendendo a Amar ou até mesmo Era Uma Vez Em... Hollywood. Felizmente, Haley se distancia dessas outras produções ao transformar a premissa de um artista caindo no esquecimento em um poderoso estudo de personagem, muito graças à atuação de seu ator principal, Sam Elliott (Nasce Uma Estrela).

Assim como seu personagem, Lee Hayden, Elliott atuou em faroestes nos anos 1970 e 1980. Diferentemente do protagonista, o astro nunca realmente deixou a cena de Hollywood, atuando em comédias, dramas e até em alguns filmes de super-herói. A experiência e o alcance do ator permitem que ele dê uma profundidade admirável a Lee, desde cenas em que aparece fumando maconha no sofá, fazendo um discurso desgovernado em uma premiação ou até falhando no teste para um blockbuster que poderia ressuscitar sua carreira.

Enfrentando a própria mortalidade, Lee se torna cada vez mais destrutivo e é graças a Elliott que o espectador compreende os efeitos da dúvida entre aceitar ou não um tratamento que pode estender sua vida em alguns anos. Mesmo aceitando a ajuda de pessoas à sua volta, o decadente ator é puro desespero e Elliott não deixa seu personagem fugir nem por um segundo.

Seus principais companheiros de elenco apresentam um trabalho similar. Laura Prepon (Orange is The New Black), que vive a comediante Charlotte, traz ao mesmo tempo graça e seriedade ao papel da insistente namorada de Lee e dá leveza mesmo às cenas mais tensas. Embora inicialmente seja desconfortável ver o casal de 36 anos de diferença, a maneira como Charlotte domina a tela – e o próprio Lee – rapidamente mudam as impressões do romance.

Quem também está muito bem é Nick Offerman (Parks & Recreation). Vivendo um ator que se torna traficante de maconha, o comediante é o grande alívio cômico de O Herói e claramente leva seu trabalho a sério. Sua química com Elliot e Prepon é divertidíssima e proporciona boas risadas em um filme relativamente emotivo e pesado.

Há, no entanto, dois grandes defeitos difíceis de serem ignorados em O Herói. O primeiro é em relação à atuação de uma das principais atrizes do filme. Krysten Ritter (Jessica Jones) interpreta a filha com quem Lee busca se reconectar, mas suas cenas são completamente esquecíveis. Ao contrário dos outros coadjuvantes, a atriz aparece completamente robótica e faz pouco esforço para transmitir qualquer emoção a não ser tédio. Além disso, suas cenas servem apenas para quebrar o bom ritmo da história. Se Haley e Bash cortassem completamente a personagem do roteiro, mantendo apenas a busca de Lee pelo papel perfeito para encerrar seu legado, o longa ficaria bem mais dinâmico.

Mas o principal crime da produção é não chegar a um final. Com uma última cena que apenas reflete a narração do comercial de condimentos do começo do filme, O Herói não justifica como nem porque Lee retornou à cabine de dublagem. Não é mostrado se ele decidiu seguir com o tratamento do câncer e muito menos se realmente reconstruiu a relação com sua filha. Em poucos segundos, o roteiro joga fora o desenvolvimento do personagem e praticamente toda a história do filme em um encerramento que não é apenas insatisfatório, mas enfurecedor.

Mesmo que seja bem montado nos clichês que usa e apoiado por atuações carismáticas e dignas de reconhecimento, O Herói se perde completamente ao terminar de maneira desnecessariamente filosófica. Embora Sam Elliott apresente um trabalho memorável, Haley e Bash sabotaram o ator com um final que transformou o filme em um trabalho pretensioso que será facilmente engolido pelo restante do catálogo da Netflix.

Nota do Crítico
Bom