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Crítica

Castlevania chega ao fim em sua temporada mais sangrenta e otimista

De começo modesto, anime da Netflix se encerra com uma jornada construída com solidez

14.05.2021, às 16H10.

A notícia de que uma série vai chegar ao fim é sempre um momento delicado para o espectador. Se por um lado há tristeza em dizer adeus a personagens marcantes ou um universo especial, no melhor dos casos é possível celebrar uma conclusão de algo que te acompanha há anos. É nesse clima que o anime de Castlevania da Netflix entrega seu quarto e último ano, apostando alto em virtudes para contornar grandes problemas.

Seis semanas após o apoteótico final da terceira temporada, o clima é de tensão em Valáquia e seus arredores. Sem pressa, os episódios iniciais da temporada final montam um grande panorama sobre seus diferentes núcleos. Pelo lado dos mocinhos, Trevor Belmont e Sypha Belnades seguem de cidade em cidade caçando criaturas da noite, enquanto Alucard cai em um estilo de vida solitário e destrutivo. Já entre os vilões há a corte de Carmilla se preparando para um ousado plano de conquista na Europa ao passo que Isaac organiza suas forças para obter vingança.

Com tantas tramas paralelas em andamento, Castlevania encontra tanto seu forte, quanto seu calcanhar de Aquiles. Ainda que sempre haja algo interessante e urgente acontecendo, a trama sofre para dar um desenvolvimento satisfatório a todas as suas peças. Tendo que se equilibrar nessa linha tênue, a narrativa por vezes derrapa ao criar lacunas que contam com a boa vontade do público para serem preenchidas - decisão arriscada que só é possível graças à confiança no que foi construído até então.

Um exemplo está nas jornadas dos protagonistas. É extremamente prazeroso acompanhar Trevor, Sypha e Alucard, que além de esbanjar carisma têm as mais ricas trajetórias dessa história. É possível ver como cada passo os levou até ali, fisica e emocionalmente, e isso amplia a carga dramática de momentos que contam com o apego criado nessas figuras.

O mesmo é possível dizer de personagens como Hector, Lenore, e até Carmilla, que ultrapassam os arquétipos que os caracterizavam até então como o traidor arrependido, a manipuladora gentil e a vilã megalomaníaca, respectivamente. Evolução essa que garante camadas e peso dramático ao trio. O problema é que pela falta de tempo, outras histórias ficam pelo meio do caminho.

Após roubar a cena na terceira temporada, Isaac fica apagado e tem seus conflitos resolvidos em um punhado de cenas. O mesmo ocorre com Striga e Morana, que, apesar de serem figuras menores na corte de Carmilla, serviam para trazer complexidade a esse núcleo. Apesar de bem explicados e satisfatórios, seus finais ficam aquém do que estava sendo construído até aqui.

Essa falta de tempo afeta até mesmo personagens novos, como Greta, Ratko e Varney. Esse último, que no áudio original é dublado por Malcolm McDowell (o Alex de Laranja Mecânica), ainda sofre de um específico caso de personagem escanteado até ser necessário para o andar da história. Ao lado de St. Germain, é certamente uma figura que teria muito a ganhar com uma introdução apropriada.

Somada às facilitações que o roteiro propõe, que abusam do aspecto mágico da série para entregar saídas mais fáceis do que desafiadoras, essa condução poderia roubar o brilho de Castlevania em sua temporada final, mas o roteiro de Warren Ellis e a direção de Sam Deats e Amanda Sitareh B. sabem como conquistar a atenção e a empolgação do público.

Ainda mais sangrenta, a série entrega alguns de seus embates mais criativos e memoráveis. A produção eleva o nível de suas ameaças sem o menor pudor em assumir um formato que claramente homenageia os combates de chefões nos videogames. Com isso, a porradaria fica cada vez mais bela e empolgante, ao ponto de tornar impossível ficar apático a esse verdadeiro festival de sanguinolência que mistura novas criaturas, golpes inéditos e coreografias inspiradas.

Toda essa ação complementa muito bem a bela conclusão do arco iniciado na modesta primeira temporada de quatro episódios da animação. Se alguns núcleos tiveram finais apressados ou abaixo do que estava sendo desenhado, isso se deve à consciente decisão de apontar todos os holofotes para aqueles que carregam essa história desde o início.

Como adaptação de uma franquia que conta com mais de 30 jogos, o anime tomou a acertada decisão de focar em histórias que traduzem perfeitamente os temas que buscou abordar. A busca - e o abandono - da própria humanidade, os perigos da fé cega, as armadilhas escondidas na ambição e até mesmo a coragem de amar embalam essa jornada que à primeira vista é só mais uma sangrenta animação para adultos. Fascinante e até otimista, esse final grandioso garante que Castlevania seja lembrada com carinho apesar de seus deslizes.

Nota do Crítico
Ótimo