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Crítica

Buddy cop à brasileira, Cabras da Peste parodia clichês e diverte pelo absurdo

Problemas do filme são amenizados pelo carisma e talento de Matheus Nachtergaele e Edmilson Filho

18.03.2021, às 19H35.
Atualizada em 28.07.2022, ÀS 09H42

Gênero tradicional de Hollywood, o buddy cop, comédia policial que acompanha dois policiais de personalidades opostas obrigados a trabalhar juntos, rendeu alguns dos títulos de maior sucesso do cinema. Máquina Mortífera, Os Outros Caras, Bad Boys, A Hora do Rush, Anjos da Lei e Zootopia conquistaram muitos fãs pela maneira como seus diretores fizeram uso da fórmula básica do gênero. Embora o cinema brasileiro já tenha flertado com o estilo no passado, as produções nacionais acabam caindo no erro de se dobrar à forma norte-americana, abdicando da identidade do país. Em Cabras da Peste, novo filme da Netflix dirigido por Vitor Brandt, é o buddy cop que se vê obrigado a encaixar na brasilidade.

Já no começo do filme é possível perceber o trabalho de Brandt e Denis Nielsen em adaptar o gênero ao humor que tem sido feito na internet brasileira nos últimos anos. Na cena de abertura do longa, que usa o clima de cidade pequena para criar ótimas piadas visuais, é possível identificar relações típicas do microcosmos interiorano, como o tratamento descontraído entre pessoas que se conhecem há tempos e a importância dada a eventos locais.

O Bruceuílis de Edmilson Filho é outro exemplo dessa espécie de patriotismo que permeia Cabras da Peste. Apesar de ter nome inspirado no astro de Duro de Matar e ser apaixonado por filmes policiais clássicos, o policial cearense tem orgulho de seu trabalho na minúscula Guaramobim e das experiências que teve na polícia de lá. Bem desenvolvido - algo raro em comédias brasileiras voltadas ao grande público -, o personagem não tem suas origens como único traço de personalidade. No decorrer da trama, ele é mostrado como um homem carinhoso, preocupado e dedicado - aos amigos e às missões. “Astro de ação” improvável, o comediante tem algumas cenas de luta que são ao mesmo tempo engraçadas e emocionantes, com coreografias dignas de filmes de orçamento hollywoodiano.

No papel de um agente mais burocrático, Matheus Nachtergaele não brilha tanto quanto em trabalhos como Doce de Mãe, Ó Paí, Ó e O Auto da Compadecida, mas imprime bem sua marca no medroso Trindade. Mesmo que atue menos com o corpo, o ator faz de um personagem que poderia passar batido um dos pontos altos de Cabras da Peste, especialmente por causa de seu trabalho com Edmilson. Parceiros de Cine Holliúdy, os dois já chegaram à produção com a química trabalhada e deram uma dinâmica quase fraternal aos dois policiais.

O longa também se sai especialmente bem no humor. Embora misture gerações diferentes de humoristas - como Falcão, Leandro Ramos, Letícia Lima e Evelyn Castro -, Cabras da Peste entrega piadas que funcionam até quando beiram o absurdo. Autorreferente, a comédia parodia os vários clichês do buddy cop - morte de um parceiro, o capitão estressado, desentendimentos entre os protagonistas -, criando uma sensação de novidade sem fugir muito do gênero.

Aliás, as cenas absurdas são as mais divertidas e o principal atrativo de Cabras da Peste. As lutas exageradas protagonizadas por Bruce, a maneira como a capitã Priscila (Lima) comanda seu pelotão e as perseguições são propositalmente caricatas, assim como a relação dos protagonistas com Celestina, cabra que serve como ponto de partida para a trama. O animal come rapadura, conversa mentalmente com Bruce e até desarma uma bomba em momentos que, apesar de surreais, condizem com a atmosfera do longa, desprendida da realidade.

Embora o humor e os personagens sejam bem encaixados na trama, o roteiro escorrega em algumas decisões apressadas. A solução de alguns mistérios - incluindo a identidade do grande vilão - é simplória e óbvia, assim como os finais dos personagens. Mesmo que não estraguem a experiência do longa, essas escolhas fáceis impedem que o filme seja ótimo.

A insistência em algumas piadas também se torna cansativa após algum tempo. Por mais bem feito que seja, o humor autorreferente é repetitivo, com cenas seguidas dedicadas a piscadelas ao público. Esses momentos incham demais o filme e, se não fosse o carisma incontestável dos atores principais, certamente fariam o espectador se desligar da tela.

A tentativa de crítica política da produção também é perigosamente rasa. Embora parafraseie políticos e ironize a maneira como tratamos casos de violência policial, o longa se esquiva de fazer comentários realmente pertinentes, provocando uma discussão que nunca acontece de fato.

Apesar dos tropeços, Cabras da Peste entrega um buddy cop bem-feito e engraçado, com atuações divertidas tanto do elenco humano quanto animal. Despretensioso, o longa não reinventa a roda, mas cria um jeito agradável de fazê-la girar e é uma risada mais que bem-vinda após meses de isolamento e tensão.

Nota do Crítico
Bom