Alma de Cowboy/Netflix/Divulgação

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Crítica

Crítica: Alma de Cowboy conquista com originalidade e tropeça na própria ambição

Subcultura de cowboys da periferia dos EUA é explorada com autenticidade em filme vibrante e bagunçado

07.04.2021, às 14H58.

Em um dos momentos mais poderosos de Alma de Cowboy, mãe e filho viajam de ônibus pela periferia da Filadélfia, na Pensilvânia, quando, do lado de fora, um grupo de cowboys passa galopando em seus cavalos. A cena soa levemente anacrônica e impressionante, especialmente por ser rodada em câmera lenta. Além do visual impressionante, o que aumenta o impacto do filme da Netflix é saber que é tudo verdade.

Estreia do diretor Ricky Straub, o filme mergulha numa subcultura desconhecida do grande público. Antes parte vital da economia local, hoje os vaqueiros se espalham pelas quebradas, lutando para manter a tradição da equitação em meio ao rápido e impiedoso desenvolvimento urbano. É um cenário inusitado, altamente original e rico em complexas questões sociais, que o filme trata com brilho.

Straub, ao lado do diretor de fotografia Minka Farthing-Kohl, captura perfeitamente o choque entre a moderna cultura de rua e a tradição antiga dos cowboys e, através do suor, da pele desgastada e da dureza do concreto decadente, cria um ambiente verdadeiramente hostil para a comunidade marginalizada. Aliás, essa impressão não é exagero, visto que o grupo é alvo da gentrificação desenfreada, que ameaça seus territórios, do racismo, e do esquecimento. Aqui, mesmo uma metrópole como a Filadélfia soa como o Velho Oeste quando toda a cidade parece estar contra os cowboys.

De certa forma, Alma de Cowboy soa como um ato de resistência, uma tentativa do diretor em imortalizar esse pedaço tão pequeno e significativo da história. Isso se manifesta tanto nos diálogos, como em um trecho em que os personagens discutem como Hollywood apagou a imagem real do cowboy negro, ou então na presença de vaqueiros reais no filme, como o excelente Jamil Prattis, que rouba a cena como Paris em seu primeiro trabalho como ator. A particularidade dessa ambientação é explorada com tamanha autenticidade e respeito que chega a ser um pouco decepcionante que não veio acompanhada de um roteiro melhor.

Para servir com os olhos do espectador nessa subcultura, a trama acompanha Cole (Caleb McLaughlin), um garoto de Detroit que, após se meter em confusão, é mandado para viver com o pai na Filadélfia. Chegando lá, o menino descobre que seu pai, Harp (Idris Elba), é um dos vaqueiros de rua, e passa a trabalhar nos estábulos para ganhar o respeito dele e de seus colegas. É aqui que o longa tropeça na própria ambição, em termos de escopo, porque seu universo é extraordinário e expansivo mas sua jornada de crescimento é essencialmente intimista.

As atuações são verdadeiramente fantásticas, com os protagonistas brilhando em uma relação marcada pela mágoa e pela angústia. Em especial, Caleb McLaughlin surpreende. Mesmo em seu primeiro grande papel desde que estourou como Lucas em Stranger Things, ele não deixa nada a desejar, e aguenta o tranco de dividir a cena com um veterano como Idris Elba. Já seus personagens poderiam se beneficiar de uma boa lapidada na escrita. Mesmo com os atores investidos de corpo e alma, a falta de um norte claro para Cole e Harp deixa uma sensação de vazio. Ora o filme quer tratar a reaproximação entre pai e filho, ora quer focar numa subtrama de Cole se perdendo no submundo do crime ao melhor estilo Cidade de Deus (2002), e tudo isso tratando das complexas questões sociais que tornam a ambientação tão única e interessante. No fim das contas, o longa teria se beneficiado com um pouco mais de foco e concisão.

Mesmo com problemas de ritmo e uma estrutura narrativa bem bagunçada, Alma de Cowboy é altamente marcante por sua premissa original, conduzida com muita autenticidade e personalidade. Se a intenção de Ricky Straub era preservar um fragmento histórico em decadência, que pode desaparecer a qualquer momento, o cineasta conseguiu ao ter a obra de uma subcultura tão particular distribuída e discutida mundialmente.

Nota do Crítico
Bom