Pedras que rolam não criam limo?
Há uma geração privilegiada no que concerne à música popular universal. É a geração que se percebeu um sujeito ali em alguma esquina entre 1965 e 1975. Quanto mais perto de 65, melhor.
Foi um período luminoso. Até a música popular francesa era interessante. Jacques Brel, Serge Gainsbourg, Michel Polnareff, Johnny Hallyday gravaram seus melhores discos. O Grass Roots fazia versões das composições tocadas pelo italiano The Rokes, o Premiata Forneria Marconi (PFM) mandava seus arpejos progressivos. Nektar e Triumvirat tremiam o solo alemão. Miles Davis, Airto Moreira, Ron Carter, Chick Corea, Return to Forever, Jimi Hendrix, Soft Machine, Magma, Gong, Caravan faziam a ponte entre o jazz, o contemporâneo e o rock. Bob Dylan eletrificava o country, Woody Guthrie era redescoberto pelo povo jovem. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Milton Nascimento, Lô Borges, Toninho Horta, Sidnei Miller, Chico Buarque faziam a MPB inesquecível.
Vivia-se imerso em sons e a psicodelia fazia dos sons cores.
Nesta criativa barafunda havia um grupo: The Rolling Stones. Banda que participou da British Invasion, na primeira metade dos anos 60, e fazia parte do povo britânico apaixonado pelo blues norte-americano. Ouvir os primeiros discos do grupo é viajar pelo blues, pelo rock de inspiração bluesística e pelo desvio fofo: o rhythm & blues.
Esta banda virou um sucesso. The biggest rock & roll band on the world. Paradigma para as outras bandas nas apresentações ao vivo. Faces, Pretty Things rivalizavam o entusiasmo on stage. Tudo isto após colocar para rodar as composições próprias: as tears go by, satisfaction, the spider and the fly, get off my cloud. E, decerto um golpe publicitário, cresceu como os rapazes do quarto dos fundos, realçando uma origem e um estilo marginal ausente no quarteto de Liverpool.
Naquela época, apesar de McLuhan anunciar a aldeia global, a globalização não era mais que um anúncio. Não havia este acesso direto que a moçada tem hoje. O Raconteurs lança um disco, no dia seguinte o roubaram no Soul Seek. Não era assim. Os Stones lançavam um disco e alguns meses se passariam para que fosse lançado no país. E imaginem como era esperar pelo disco na Breno Rossi ou no Museu do Disco, lojas que ficavam próximas da Galeria do Rock.
Ouvir os Stones era um absoluto prazer. Mesmo que recebêssemos no Brasil as versões americanas dos LPs da banda, que excluíam certas faixas e incluíam as canções dos compacto-simples, já sucessos, para a garantia de vendagem. As pessoas reuniam-se para ouvir o novo disco. Discutia-se a qualidade da música, da gravação, da espacialização estereofônica. Era o tempo da incerteza analógica mais divertida que a reprodutibilidade infinita e certeira do digital.
E era divertido. Paint it black, gimmie shelter, honky tonk women, dandelion, we love you, Angie, brown sugar, its only rock and roll. Os Stones enchiam os ouvidos, balançavam corpos, embalavam trepadas, romances e rompimentos. Get off my cloud or I smash you under my thumb, stupid girl.
E, sim, todos em uníssono: pedras que rolam não criam limo. De verdade!
De verdade? Não, não era de verdade!
Apesar de vê-los no palco pela primeira vez, sem Bill Wyman, Brian Jones, Mick Taylor, nos espetáculos que fizeram no Brasil, tenha sido um deslumbramento mágico. A bateria precisa, sincopada e calma de Charlie Watts, a jovialidade sensual de Mick Jagger e o carisma de Keith Richards, o imortal, que veio ao planeta antes dos dinossauros e continua tocando guitarra e despencando de árvores, cabeça no chão. E continua vivo.
Mas: os últimos discos dos Stones não são uniformemente bons. Até o "Its Only rock and roll", lançado em 1974, vai bem. Depois dele, salva-se o "Some Girls", lançado em 1978. O site Kenos Rolling Stones faz uma classificação dos melhores discos da banda e entre os 15 mais está o "Voodoo Lounge" em décimo quinto. Incluíram o "Bigger Bang" em quinto, mas digo que é pelo impacto do lançamento recente. O disco não é bom, não obstante mandar os neo-cons à merda. Bush, Rove, Rumsfeld, Condoleeza à frente. Waiting for a friend, shes so cold, back of my hand, out of tears, fool to cry, indian girl são raras pérolas que se colhem aqui e ali. Fica a esperança que a certeza da gravação digital tenha retirado parte do sonho errático e delicioso da incerteza analógica e explique o esmaecimento da música dos Stones.
Deste comentário está excluído o "Stripped". Obra-prima. Para ser escutado um milhão de vezes.